17.3.09

Pais e autarquia falam em discriminação, DREN garante acordo com a matriarca

Mariana Oliveira, in Jornal Público

São 17 jovens que frequentam diversos graus de ensino, do 1.º ao 6.º ano. Esta comunidade de etnia cigana está radicada na freguesia de Barqueiros há mais de uma década. Sem problemas


Mais de uma dezena de miúdos brincam no recreio da escola primária construída como muitas ao estilo do plano centenário, de Salazar. Do lado esquerdo do portão, um contentor ocupa uma parte do pátio de terra. De fora só se notam as três janelas gradeadas, outra parelha delas do outro lado e um pequeno aparelho de ar condicionado em cima. O pré-fabricado parece vazio. Vêem-nos e abrem-nos o portão. Entramos. Mas rapidamente a passagem é barrada. A coordenadora da EB1 da Lagoa Negra, em Barqueiros, Barcelos, manda-nos sair e recusa-se a conversar.

As crianças querem falar do contentor, do calor... mas a ordem é para se retirarem. "Todos para dentro", grita a coordenadora. Rapidamente a situação inverte-se: o contentor - colocado na escola há mais de dois anos, quando o estabelecimento estava em requalificação - enche-se, o recreio esvazia-se. Uns minutos depois chegam dois adultos. Apercebemo-nos de que são os dois professores da turma especial: a dos ciganos. Os pais de alguns dos 17 alunos e o secretário da Junta de Freguesia de Barqueiros, António Cardoso, chamam-lhe "discriminação". E explicam porquê. Olívia Santos Silva tem três dos seus seis filhos a estudar no contentor: um de 14 anos, uma de 16 e outra de 18 anos. "O meu filho passou para o 5.º ano e deveria ter mudado de escola, as minhas filhas andavam as duas no 6.º ano em Vila Seca [na EB2,3 Abel Varzim, sede do agrupamento de escolas], reprovaram e voltaram para a Lagoa Negra", explica o pai, Joaquim Monteiro, que garante que nunca ninguém lhe pediu opinião sobre as mudanças. "Agora misturaram crianças de nove anos e jovens de 18", lamenta. Cruzando dados, de António Cardoso e Joaquim Monteiro, da turma fazem parte alunos do 1.º até ao 6.º ano do ensino básico.

Mas estes são os mais velhos, os do contentor, porque ao lado funciona uma escola primária normal com alunos a partir dos 6 anos. E até há um cigano integrado nestas turmas, reconhece Joaquim Monteiro. "As minhas filhas sentem-se mal, têm vergonha de estar na escola ao lado de crianças tão pequeninas", reclama Olívia Santos Silva. "Havia uma rapariga na turma da minha filha que já reprovou três vezes e continua em Vila Seca. Porque é que não a mandaram de volta para a primária da Lagoa Negra?", pergunta. E responde logo: "Isto é racismo."

Os vizinhos da escola comprovam que os ciganos vivem na freguesia há mais de uma década e não tem havido problemas. Mesmo assim preferem não dar o nome. "A minha filha tinha bons amigos entre os ciganos", garante um dos vizinhos, cuja filha ainda anda na EB1 da Lagoa Negra. Não percebe porque é que os mais velhos não estão em Vila Seca e defende: "As crianças grandes têm direito de ir para o ciclo." "Os que reprovaram nas mesmas circunstâncias que estes ficaram em Vila Seca", insiste outra vizinha. O vizinho relata que por ali os ânimos têm andado exaltados. "Ainda noutro dia a mãe de uma aluna cigana insultou e bateu num aluno que tinha batido na filha", conta.

Ele e a mulher já viram o professor a sair a chorar e a polícia da Escola Segura a ter que intervir para que as aulas pudessem continuar. António Cardoso foi convidado para assistir a uma aula e confirma a barafunda: "Toda a gente fala e ninguém se entende." "A nossa preocupação é que o problema extravase os limites da escola e chegue à sociedade civil", sublinha o secretário da junta.

O Agrupamento de Escolas Abel Varzim não comenta o caso e remete explicações para o comunicado da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN). Aí diz-se que o projecto da EB1 da Lagoa Negra resultou do esforço da escola junto da matriarca da comunidade e da sensibilidade de esta integrar os alunos na escola e proporcionar o acesso ao 4.º e 6.º anos de escolaridade. Diz que a criação de uma turma-projecto constituiu-se como uma "medida provisória" e que a todo o tempo as alunos poderão transitar para turmas regulares. Afirma-se ainda que o objectivo de constituir um curso/turma era responder às especificidades deste grupo de jovens, como o risco de abandono e a dificuldade de frequência, adequando os currículos e horários de funcionamento e aproximando os alunos dos acampamentos onde moram. Quanto ao contentor, a DREN diz que a turma funciona num "monobloco igual a centenas de outros utilizados nas nossas escolas", garantindo que este possuiu todas as condições como sistema de aquecimento e ar condicionado.

O presidente da União Romani, José Fernandes, não ficou convencido com as justificações da DREN: "Isto é uma discriminação sem palavras." E concluiu: "Não é juntando os ciganos que eles serão integrados na sociedade." E lembra que o mesmo já ocorreu noutras localidades.

Um dos casos mais polémicos envolvendo a discriminação à etnia cigana aconteceu em Março de 1996, quando elementos da população de Oleiros, em Vila Verde, formaram "milícias populares", armadas com paus, e barravam a passagem a qualquer veículo e identificavam qualquer automobilista que circulasse no acampamento junto a Oleiros. Um caso que ficou conhecido pela fuga da comunidade cigana e fez destacar o governador civil de Braga, o constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos, pela defesa dos direitos humanos neste processo.

Há mais de dois anos que o contentor foi colocado na escola. Mas só este ano lectivo é que alberga os jovens ciganos.