Por Nuno Simas e Isabel Arriaga e Cunha, Luxemburgo, in Jornal Público
PR não gostou do aviso do comissário e disse que ninguém do "exterior" pode impor a agenda nacional. Olli Rehn corrigiu declarações da véspera
Só ministros foram quatro a responder, mas a ideia é a mesma: Portugal já fez uma reforma na Segurança Social e nas leis laborais e o que resta são "aperfeiçoamentos". Um dia depois do alerta dos países da zona euro para Portugal e Espanha fazerem mais reformas, além das medidas de austeridade já anunciadas, o ministro das Finanças reconheceu que as reformas são para prosseguir, mas no quadro de um processo que "já foi iniciado há algum tempo", abrindo a porta a uma nova revisão do código laboral, que incluiria a matéria da flexibilização de despedimentos e contratações.
A estratégia do executivo é outra e passa por relativizar as exigências dos parceiros europeus lembrando o que já foi feito. Foi o que disse Teixeira dos Santos: "Temos consciência de que é um trabalho que deve prosseguir e estamos a prosseguir esse trabalho, [e] temos de ter consciência de que as coisas não pararam e que as coisas irão prosseguir e irão prosseguir no âmbito [do] diálogo social que é indispensável com os parceiros sociais."
"O processo de reformas é um processo contínuo, não podemos parar. Qualquer país, incluindo Portugal, exige uma permanente atenção ao processo de reformas. Não há um período de reformas encerrado, temos de estar sempre abertos e disponíveis para introduzir as reformas que forem necessárias para que a economia possa acompanhar a dinâmica da economia mundial e não perca competitividade", afirmou no Luxemburgo, à margem de uma reunião de ministros das Finanças. Na anterior legislatura, lembrou, o Governo avançou com uma reforma na Segurança Social.
Isto já depois de Olli Rehn, comissário europeu responsável pela economia e finanças, ter rectificado o que dissera na véspera. Afinal, as reformas estruturais pedidas pelos parceiros da zona euro a Portugal referem-se ao mercado de trabalho e não ao sistema de pensões, que é um problema específico de Espanha, precisou ontem Rehn.
Mas o comissário disse mais: "Talvez não seja sempre correcto pôr Portugal e Espanha no mesmo cesto, porque são países independentes e têm diferentes desafios no que se refere às reformas estruturais." Em Portugal, "houve recentemente uma reforma das pensões muito substancial, mas há ainda muito a fazer, especialmente em termos de reformas do mercado de trabalho e do mercado de produtos". "Só posso encorajar [Portugal] a prosseguir as reformas que são relevantes no caso português", concluiu.
Em Lisboa, o ministro da Presidência foi mais preciso na resposta e insistiu no verbo "aperfeiçoar". Pedro Silva Pereira sublinhou que o país já iniciou esse processo de reformas, embora esteja "disponível" para "aperfeiçoar" algumas soluções - nomeadamente nas áreas da administração, energia, educação e saúde. "O que Portugal tem a dizer é que já fez reformas estruturais importantes para a sua modernização. Está disponível para prosseguir a sua implementação e para aperfeiçoar algumas das soluções", afirmou após o Conselho de Ministros. Contudo, não se pode "olhar para a situação portuguesa como se essas reformas não tivessem sido já apresentadas e não tivessem consequências".
Silva Pereira invocou a reforma da Segurança Social que "colocou o sistema de pensões português como o segundo melhor do ponto de vista do impacto nas contas públicas num horizonte a prazo". Sobre o aumento da idade da reforma o ministro adiantou que "não faz sentido" colocar essa questão: "A reforma da Segurança Social integrou um conjunto de medidas em que a esperança média de vida é tida em conta no próprio processo de cálculo das pensões de reforma", justificou.
PR pode, comissário não
Quanto à reforma da lei laboral, lembrou que Portugal foi "de entre os países da OCDE o que mais evoluiu ao nível da rigidez da sua legislação laboral". As alterações permitiram a comparação, notou, com a Alemanha e a França. Daí a ministra do Trabalho, Helena André, ter lembrado que só por "desconhecimento" se poderia dizer o que Rehn disse.
O Presidente da República reagiu criticamente às declarações do comissário europeu. "Que eu saiba isso não está na agenda política portuguesa", começou por afirmar. "Só o Governo ou a Assembleia da República podem colocar essa questão na agenda. Nenhuma entidade exterior pode colocar questões dessas", rematou.
Ainda assim as palavras proferidas a propósito do Prémio Empreendedorismo Inovador da Diáspora Portuguesa (ganho pelo empresário radicado em França Isidro Fartaria) deram a entender que, se Cavaco via as declarações do comissário europeu como ingerência, já uma intervenção do chefe de Estado era diferente.
Cavaco Silva elogiou os empresários candidatos ao prémio e destacou, por mais de uma vez, a necessidade de "mudança": "Temos de ser capazes de ousar ultrapassar as barreiras mentais que nos atemorizam perante o risco e a incerteza. A propensão para manter o estado das coisas, para evitar a todo o custo qualquer mudança que implique o risco e a reserva com que muitas vezes se encara a inovação são dos maiores obstáculos à tão necessária transformação do nosso país." com Maria José Oliveira e Nuno Sá Lourenço