Graça Barbosa Ribeiro, in Público on-line
Recurso a estudantes entre os 11 e os 17 anos baseia-se na convicção de que as vítimas se abrem mais facilmente com pessoas da sua idade, explica a coordenadora nacional do projecto BeatBullying.
Uma manhã, num intervalo das aulas, Fábio, de 17 anos, apercebeu-se do ar desamparado de um miúdo que andava de um lado para o outro, em frente a uma barreira de cadeiras que colegas, também do 5º ano, tinham empilhado, de forma a não o deixar passar para o recreio. Disse-lhe para voltar a tentar, prometendo que, se os outros o impedissem, interviria. E assim foi. Derrubou a pilha de cadeiras, pegou em dois dos rapazes – “os que consegui apanhar”, conta – e entregou-os na sala da direcção.
O episódio fez com que alguém se lembrasse de Fábio quando a escola foi desafiada a participar num projecto contra o bullying, desenvolvido por uma associação sem fins lucrativos com sede no Reino Unido e financiado com fundos europeus. À semelhança de mais cerca de cem crianças e jovens, Fábio recebeu formação e é um dos “mentores” que alunos de escolas de todo o país poderão encontrar na sala de “conversação” da plataforma online BeatBullying, que será apresentada na terça-feira.
“Tudo o que me disseres é confidencial. Com uma excepção: se eu sentir que corres perigo, terei de te referenciar junto de um dos conselheiros”, ouvirá quem recorrer a um mentor, que pode ter entre 11 e 17 anos. O projecto, que em Portugal está em fase piloto, baseia-se na convicção de que as crianças e jovens vítimas de bullying, “que muitas vezes não procuram ajuda por medo ou vergonha, terão mais facilidade em abrir-se com pessoas da sua idade”. E no contacto directo, dentro das escolas, “quem melhor do que uma criança para se aperceber de que outra se isola, está triste ou assustada?”, interroga Irene Ferreira, gestora do projecto do Reino Unido, que em Portugal tem como parceira a Associação Nacional de Escolas Profissionais (Anespo).
Quer no contacto directo quer na plataforma electrónica, os jovens mentores são o primeiro elo de uma cadeia que é formada por outros elementos. Aqueles que se inscreverem como utilizadores da plataforma BeatBullying têm a garantia de que entre as 16h e as 22h estarão permanentemente online um dos conselheiros (no caso conselheiras, com formação em Psicologia) e um dos moderadores – adultos formados para acolher quem precisa de ajuda específica, que pode ser pontual, ou passar a regular.
Em casos mais graves, os conselheiros poderão pedir ajuda externa – às direcções das escolas, à polícia, ou a outras entidades. “Só o faremos se estivermos convictos de que a pessoa corre perigo”, diz Inês Fraga, uma das psicólogas. Sublinha que “não serão decisões fáceis”, e admite que “o mais provável é que passem pela discussão prévia do caso com especialistas experientes, disponíveis no Reino Unido”, onde o projecto nasceu há dez anos, para se expandir, depois, para vários países europeus.
A possibilidade de a tentativa de apoio externo esbarrar no anonimato do utilizador – que pode ter dado nome e endereço falsos – é um problema, admite Irene Ferreira. “Mas não será a situação mais vulgar. A experiência internacional mostra que os jovens criam uma relação de confiança que os leva a aceitar a ajuda”, acrescenta.
Para já, segundo a coordenadora do projecto, o desafio é “criar e manter um ambiente seguro” na plataforma. Com a ajuda de um programa de software - que lança um alerta para os moderadores e conselheiros se for detectado o uso de determinadas palavras ou expressões - e dos próprios moderadores que, nas palavras de um deles, Pedro Pombo, serão simpáticos “xerifes”. Cabe-lhes garantir que as conversas na sala de chat “são construtivas e positivas”, apoiando os utilizadores que precisam de encontrar um mentor ou um conselheiro e detectar (em último caso expulsar) quem não cumprir as regras da plataforma.
A Anespo prossegue, entretanto, a tentativa de envolvimento de direcções de escolas no projecto para a formação de mais 100 mentores, num total de 200, até Outubro, momento em que o trabalho desenvolvido será avaliado e o programa eventualmente alargado, adianta Irene Ferreira. Para o arranque está tudo mais que preparado: os utilizadores já se podem inscrever e os mentores andam ansiosos pela divulgação da plataforma online.
“Para já é um desespero! Só lá encontramos mentores”, comenta, a rir, Márcia, ela própria mentora, de 17 anos. Ao contrário de Fábio, não foi escolhida. Apresentou-se como voluntária e passou por entrevistas com psicólogos, antes de ser seleccionada para fazer a formação. “Acho que os utilizadores podem estar descansados. Quem nos indica tem mesmo de saber o que faz”, comentava esta sexta-feira.