Raquel Martins, in Público on-line
O mercado de trabalho foi a principal vítima de três anos de programa de ajustamento. Desemprego elevado e níveis de emprego próximos dos anos 80 deixam muitas interrogações quanto ao futuro.
Nos últimos três anos, o mercado de trabalho em Portugal foi atingido por um violento furacão, que deixou atrás de si um rasto de destruição nunca antes visto. Os números falam por si: a taxa de emprego voltou aos níveis dos anos 1980, perto de 827 mil pessoas estão desempregadas, meio milhão das quais há mais de 12 meses, cerca de 140 mil jovens procuram trabalho e a população activa reduziu significativamente, nomeadamente pela via da emigração.
Contas feitas, em três anos, a economia destruiu 332 mil postos de trabalho, atingindo com particular violência o sector da construção (que registou um recuo no emprego de quase 35%). A perda só não foi maior porque a partir do segundo trimestre de 2013, em resposta ao crescimento da economia, começaram a registar-se tímidos aumentos do emprego e um recuo na taxa de desemprego. Mas será essa recuperação do mercado de trabalho sustentável?
Ontem, o próprio vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, reconheceu – durante a conferência de imprensa para fechar a 12ª avaliação do programa - que as melhorias registadas são ”insuficientes face ao necessário”.
João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho, entende que o melhor indicador para medir a recuperação do mercado de trabalho é a taxa de emprego. E nessa perspectiva não antecipa um futuro próximo muito surpreendente. “Vamos ter crescimentos da economia relativamente baixos com efeitos no mercado de trabalho. Mas não serão suficientemente elevados para conseguir absorver os desempregados em stock”, nota.
Já esta semana, Wolfgang Münchau, colunista do Financial Times, alertou que a taxa de emprego é a melhor forma de avaliar a recuperação de uma economia e, nesse sentido, nos países sujeitos a programas da troika será necessário pelo menos uma geração até se poder falar nessa recuperação.
Quando a troika chegou a Portugal, em Maio de 2011, o mercado de trabalho já apresentava sinais de fragilidades. Em finais de 2007, antes do deflagrar da crise económica e financeira mundial, Portugal tinha uma taxa de emprego próxima dos 58%. No segundo trimestre de 2011, por altura do início do programa de ajustamento, já tinha caído para 54,2%. E agora, passados três anos, apenas 51,1% dos activos têm emprego, uma taxa muito próxima das registadas em meados dos anos 1980.
Se a este indicador se juntar o meio milhão de desempregados que procuram trabalho há mais de um ano, o elevado desemprego estrutural e o crescente número de jovens desempregados ou fora do sistema de ensino e formação, o futuro aparece cheio de interrogações.
Meio milhão fora
Entre 1998 e 2013, o desemprego estrutural passou de 5,2% para 15,2%. Este indicador complementar, que mede aquela que seria a taxa de desemprego considerada “normal” num cenário em que a economia não está a produzir nem baixo nem acima das suas potencialidades, é preocupante.
O nível atingido mostra que o desemprego elevado não é um resultado apenas da conjuntura, mas um problema mais profundo e que veio para ficar por alguns anos. Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, identificou recentemente este como “um dos elementos mais gravosos da evolução da economia portuguesa na última década”. E avisou que “a absorção do desemprego estrutural vai levar tempo”.
A este indicador pode juntar-se um outro. O desemprego de longa duração (DLD) que no final do ano passado afectava 525 mil pessoas, 63,3% do total, valor que compara com as 372 mil pessoas que no segundo trimestre de 2011 procuravam trabalho há mais de um ano.
E se no passado eram sobretudo os menos qualificados e os mais velhos que mais tempo permaneciam no desemprego, com o programa de ajustamento assinado com a troika este passou a ser um problema transversal a todas as faixas etárias e a atingir também os mais qualificados.
Até 2003, o Instituto Nacional de Estatística não apresentava dados para o DLD dos licenciados, ou seja, eram tão poucos que nem sequer tinham representatividade estatística. Em 2011, perto de 42 mil desempregados com o ensino superior encaixavam no conceito, número que quase duplicou, atingindo no final do ano passado 81 mil licenciados. Entre os desempregados com o ensino superior o fenómeno também ganhou expressão e mais do que duplicou de 64 mil para 130 mil pessoas. As faixas etárias onde o impacto da crise mais se notou foram entre os jovens e os desempregados entre os 35 e os 44 anos, embora o número mais elevado de DLD esteja entre os desempregados acima dos 45 anos.
A surpresa do Governo
Quando o memorando foi assinado, a taxa de desemprego já vinha de uma trajectória de subida, iniciada no final de 2008. Com a receita de austeridade aplicada ao país pulou para os 14% logo no final de 2011, atingindo o pico no primeiro trimestre do ano passado, quando 17,7% dos activos estavam desempregados.
Para estes números contribuíram os despedimentos colectivos, que atingiram um volume nunca antes visto, e desapareceram 90 mil empresas. Ainda assim foram criadas mais empresas, embora com menos postos de trabalho associados.
Toda esta evolução surpreendeu o Governo e a troika que não esperavam taxas tão elevadas e uma reacção tão negativa das empresas e do mercado de trabalho à austeridade.
Em Maio de 2012, o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, reconhecia que “a evolução do desemprego tem revelado padrões de comportamento diferentes do que seria sugerido pela experiência histórica”, salientando que o nível de desemprego registado é substancialmente superior ao expectável, tendo em conta o nível de actividade económica.
O assunto foi estudado por uma equipa do Governo com o apoio do Fundo Monetário Internacional. Em Junho de 2012, eram detectados quatro responsáveis pela ampliação dos efeitos da crise no emprego e no desemprego: as restrições ao financiamento das empresas, a transição de um modelo assente no sector de bens não transaccionáveis para o sector de bens transaccionáveis, a antecipação dos reajustamentos da força de trabalho para responder a uma crise mais longa e a generosidade dos apoios no desemprego.
O diagnóstico estava feito, mas pouco mudou e quando Vítor Gaspar, deixou o Governo no Verão do ano passado, não escondeu a preocupação com os números: “o nível de desemprego e de desemprego jovem são muito graves”.
O desemprego entre os que têm 15 e 24 anos também atingiu níveis elevados, acompanhando os países da Europa do Sul, nomeadamente os que estiveram sujeitos a programas de ajustamento. Quando o memorando foi assinado, ainda pelo anterior Governo, a taxa de desemprego jovem já era de 25%, mas daí em diante nunca mais parou e no início do ano passado ultrapassou os 42%, para no final do ano ter ficado nos 35,7%.
Que emprego no futuro?
Se os dados mais recentes têm mostrado uma recuperação mais rápida do emprego e do desemprego em resposta à recuperação económica do que no passado, o emprego que vai ser criado daqui em diante é uma interrogação.
João Cerejeira não tem dúvidas de que com uma reserva de mão-de-obra tão elevada os aumentos do emprego serão sobretudo quantitativos e dificilmente se verificará um aumento qualitativo. “A pressão sobre os salários vai manter-se nos próximos cinco anos” antecipa.
O professor da Universidade do Minho antecipa que as desigualdades salariais “tenderão a descer” por via dessa pressão. “Os salários médios deverão aproximar-se dos mais baixos e antecipo um crescimento dos salários nas extremidades”.
O ex-secretário de Estado do Emprego, Pedro Martins, antecipa que Portugal só voltará aos níveis de emprego e de desemprego anteriores à crise, “no melhor dos casos”, em 2017 ou 2018. E lembra que, apesar das medidas que podem ser tomadas ao nível nacional para “facilitar a recuperação”, ela depende em larga medida do crescimento económico no resto da União Europeia e da política monetária do Banco Central Europeu. E continua a insistir que é preciso “evitar medidas contraproducentes - o aumento do salário mínimo numa altura em que o desemprego ainda é tão elevado (e a inflação tão baixa) poderá ser um exemplo”.
Para o economista Pedro Lains, com os elevados níveis de desemprego e de desemprego de longa de duração existentes, o futuro terá de passar por um “forte investimento” em políticas activas de emprego. “O Estado terá de gastar dinheiro para que as pessoas aumentem a sua empregabilidade, é o que acontece nos outros países da Europa. As pessoas não podem ser abandonadas como está acontecer agora”, alerta.
Mas quando questionado se a recuperação levará muito tempo, recusa antecipar qualquer cenário: “As economias estão sempre a surpreender-nos”.