Opinião de Francisco Sarsfield Cabral, in RR
É preciso dotar as IPSS e o restante sector social e solidário de um pouco mais de dinheiro público. E também de dinheiro privado. É que estas entidades sociais, de um modo geral, estão próximas dos mais pobres e conhecem quem se justifica ser ajudado.
No segundo trimestre do corrente ano o PIB português baixou 16,5% em relação ao trimestre homólogo de 2019. É uma queda brutal, mas não inesperada. Sobretudo por causa da pandemia, em Portugal e no mundo, é possível que a recuperação da economia portuguesa demore a concretizar-se.
Perante essa perspetiva de incerteza há que encarar o futuro com realismo e prudência. Mesmo desequilibrando temporariamente, e sem sanções de Bruxelas, as contas públicas, e contando com os previstos apoios da UE, não é razoável esperar do Estado português que nos próximos anos continue a despejar dinheiro sobre tudo e mais alguma coisa, na escala em que agora o tem feito. Daí a necessidade de uma estratégia governamental de recuperação económica e social, apontando prioridades.
Gostaria de lembrar uma prioridade, importante segundo a minha opinião, que é relativamente pouco falada. Refiro-me à situação de muita gente que não está na pobreza, mas na miséria e sem ajuda passa fome.
Não ignoro que a ajuda estatal às empresas, particularmente às PME e a às microempresas, é uma forma indireta de travar o desemprego e a pobreza que ele implica. Mas há muitos portugueses e imigrantes que estão fora do Estado social e não são apenas os sem-abrigo. Encontram-se marginalizados, frequentemente não possuem documentos legais, não têm sindicatos nem organizações que defendam os seus direitos, não têm representação no Conselho Económico e Social, não têm voz no espaço público. Muitos são idosos que vivem fisicamente isolados em aldeias desertificadas e quase só têm, quando têm, as visitas e os apoios que a GNR consegue realizar.
A marginalização destas pessoas no limiar da fome e da miséria é agravada pelo facto de elas serem, na maioria, pouco visíveis. Só quem vive relativamente próximo delas as conhece e avalia a tragédia que as atinge.
Daí que os municípios e as juntas de freguesia tenham aqui um papel a desempenhar, como felizmente já acontece em vários casos. Mas as autarquias têm pouco dinheiro, por isso é indispensável que o Estado central para elas canalize verbas adicionais, com a condição estrita de se destinarem ao apoio social dos mais desvalidos.
Como também é preciso dotar as Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS) e o restante sector social e solidário de um pouco mais de dinheiro público. É que estas entidades, de um modo geral, estão próximas dos mais pobres e conhecem quem se justifica ser ajudado. Igualmente importa que os portugueses que não são pobres nem passam fome ajudem no que poderem as IPSS e entidades afins a fazer o seu trabalho de apoio aos marginalizados.