Filipe Jesus, in Jornal do Centro
Já se sabe, as mulheres ciganas estão a caminhar contra a discriminação de que são alvo dentro e fora das suas comunidades. A instrução parece ser o primeiro passo“De que é que me vale os meus sonhos, se me vão fechar as portas?”, lançou Vânia Lourenço, de 22 anos, num dos debates do núcleo de Viseu da Associação Olho Vivo sobre os caminhos da juventude cigana em Portugal, em celebração ao Dia Internacional dos Ciganos. De uma forma muito espontânea, contou-nos o seu percurso, enquanto mulher cigana que seguiu os estudos. Está no 4.º anos de Direito da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, no Porto e quer seguir magistratura. Perdemo-nos nas típicas palavras que dão início a um discurso e observamos-lhe o rosto. Transmite mudança ou determinação. Talvez ambas. Quase que adivinhamos a felicidade que sentirá quando a ouvimos: “sempre compreendi a importância de uma formação e de uma instrução na minha vida, isto por um lado, mas sempre tive todo o apoio por parte da minha família o que para mim também foi basilar”.
Se a família respeitou a importância de uma boa educação, os professores de Vânia também “acreditaram em mim e sempre investiram”. A discriminação nunca teve espaço dentro da sala de aula. Mas, a realidade é que ainda existem diversos estereótipos associados à etnia cigana. Sem hesitar, a estudante é da opinião de que “é fundamental que haja um esforço de ambas as partes, tanto da comunidade cigana, como da sociedade em geral para a integração desta etnia”, frisando que a conjugação de costumes e tradições é a chave para o fim das divergências entre as diferentes etnias, sejam elas quais forem.
Discriminação, preconceito e racismo. Três palavras fortes e difíceis de desconstruir. “O conhecimento é, na minha opinião, uma água que lava os nossos olhos da ignorância”, disse, em tom assertivo, propondo a integração da história do povo cigano no plano de estudos, nos vários ciclos. São anos e anos de etnia cigana na Europa e, aos olhos de Vânia, pouco se sabe das tradições e costumes deste povo. E recua na história até “às inúmeros perseguições e tentativas de extermínio da população cigana já foi alvo de toda a história, desde o início da sua chegada à Europa”.
Não é um problema do passado, é um problema que se estendeu até ao presente. “A comunidade cigana sofre constantemente e diariamente vários tipos de discriminação e racismo, tanto a nível do acesso ao mercado de trabalho, como do acesso ao ensino, ao acesso a uma habituação condigna”, assinalou, reconhecendo que “é necessário uma maior participação e representação política da comunidade cigana” para combater este género de problemas.
Vânia e Vanessa tinham um sonho em comum: ter um curso superior. Mas enquanto a Vânia seguiu o percurso regular e está a concluir a licenciatura em Direito, Vanessa apenas completou o 9.º ano, antes de ingressar no ensino superior, aos 23 anos. “Toda a minha vida foi vivida muito regradamente no sentido de ir à escola, sempre acompanhada pelos pais, não podia ir sozinha e havia sempre aquele resguardo por ser mulher e também havia sempre aquela mentalidade, ao sendo mulher, só poderia estudar ate uma certa idade, um certo ano, e depois sairia da escola”, começa por contar.
Está a terminar o curso de Comunicação Social e já trabalha na área da televisão. Ao recuar três anos, o início não foi fácil e o apoio tendia a escassear. “Os meus pais perguntavam sempre - agora vais ser doutora? deves ter a mania das grandezas - como se costuma dizer porque para eles um curso superior é ser doutora”, disse, entre tímidos sorrisos.
E insistiu na importância da representatividade da etnia cigana em diferentes cargos da sociedade, principalmente mulheres. “Quando não temos ninguém a representar-nos, é muito mais difícil é normalizarmos as coisas e precisamos e ciganos e ciganas em posições de destaque, seja na política, seja na comunicação social, seja nas escolas, ter professores ciganos nas escolas”.
E quando isso acontecer, a discriminação começa a anular-se por si própria. Agora, com 26 anos, “posso dizer que, enquanto mulher cigana, não consegui fazer amizades na escola, não tenho amigas de infância. Porquê? Porque de certa forma, eu não pertencia ali”, suspirou, ao recordar as dificuldades que atravessou na integração escolar.
Ao ser mulher e cigana, orgulha-se de todo o percurso que traçou e continua a traçar. E desistir nunca foi opção. “Ser mulher cigana é difícil não só para fora, mas também dentro da nossa comunidade porque ainda há determinadas ideias que têm de ser desconstruídas, mas acho que enquanto não houver o apoio de fora, muito dificilmente conseguimos fazer alguma coisa dentro da nossa comunidade”, rematou.