Natália Faria, in Público on-line
Em 2020, houve quase mais 39 mil mortes do que nascimentos. E, além do forte impacto no saldo natural negativo, a pandemia também baixou os casamentos para o menor número desde que há registos. A (única) boa notícia é que a taxa de mortalidade infantil é a mais baixa de sempre.
O menor número de casamentos desde que há registo e um fortíssimo agravamento do saldo natural negativo. Não foi preciso muito para se fazerem notar os efeitos colaterais da pandemia nas estatísticas vitais dos portugueses. Ainda assim, o aziago ano de 2020 vai ficar marcado por uma boa notícia: registaram-se menos 41 óbitos de crianças com menos de um ano de idade (205, no total), o que fez diminuir a taxa de mortalidade infantil de 2,8 para 2,4 óbitos por mil nados-vivos. E sim, é a taxa mais baixa observada em Portugal.
Em números absolutos, os nascimentos de crianças de mães residentes em Portugal, fixaram-se nos 84.426, o que traduz um decréscimo de 2153 bebés comparativamente com 2019, equivalente a 2,5%. Esta queda na natalidade não traz surpresas, dado o contexto de instabilidade e medo que atravessaram todo o ano passado e que levaram ao adiamento do projecto de ter filhos. De resto, o chamado “teste do pezinho” mostrou que no primeiro trimestre de 2021 nasceram menos 2898 bebés relativamente ao período homólogo do ano anterior, o que faz perceber que a queda nos nascimentos se deverá manter ao longo deste ano.
Este “afundar” da natalidade poderia não ter um impacto tão grande na estrutura populacional se não tivesse ocorrido no mesmo ano em que os óbitos sofreram um agravamento de 10,3%. Em 2020, morreram 123.358 pessoas, ou seja, mais 11.565 do que em 2019, numa balança a que não é alheia a covid-19, nomeadamente a sua elevada letalidade entre os idosos. Aliás, o INE sublinha que que nos dois primeiros meses do ano passado o número de mortes foi inferior ao de 2019. “A partir de Março, mês em que ocorreram os primeiros óbitos por covid-19, a mortalidade começou a aumentar”, lê-se no documento, que apresenta os meses de Abril, Julho e Dezembro, como aqueles em que a mortalidade atingiu picos.
Mais de 60% das mortes foram de idosos com 80 e mais anos
Só no último mês de Dezembro, morreram mais 29,9% pessoas do que no mesmo mês de 2019. E, ainda que a mortalidade tenha aumentado em todo o país, no Norte esse aumento foi mais alto, tendo chegado aos 14,5%.
A maioria dos óbitos ocorreu em idades avançadas: 86,2% corresponderam a pessoas com 65 e mais anos de idade e mais de metade (60,4%) a idosos com 80 e mais anos. Entre 2011 e o ano passado, a proporção de óbitos de pessoas com 80 e mais anos aumentou 8,1 pontos percentuais.
Resultado: o saldo natural negativo (diferença entre nascimentos e mortes) agravou-se dos -25.214 em 2019 para os -38.932 do ano passado. Há 12 anos consecutivos que Portugal regista um saldo natural negativo. Mas nunca com estes valores. Em 2011, por exemplo, o saldo natural já era negativo mas a diferença entre mortes e nascimentos não passava dos -5992. E, actualmente, segundo as estatísticas vitais do Instituto Nacional de Estatística, o saldo natural passou a ser negativo em todas as regiões do país. Até na região autónoma dos Açores.
À boleia do aumento dos óbitos, aumentaram também as dissoluções de casamento por morte do cônjuge: 45.720 dissoluções, mais 7,8% do que no ano anterior. Em resultado disso, o país passou a contar com 34.973 viúvas e 14.313 viúvos. Esta preponderância das mulheres em situação de viuvez não é nova e decorre em parte da maior esperança de vida feminina.
O menor número de casamentos de sempre
Sem surpresas também, o ano de 2020 vai ficar para a história como tendo sido aquele em que os casamentos bateram no fundo: realizaram-se 18.902 casamentos no total, o menor número de que há registos. Aqui também a pandemia poderá ajudar a explicar esta queda tão drástica, já que foram vários os meses em que o confinamento que vigorou de forma intermitente durante vários meses do ano fechou notários e igrejas e inviabilizou a realização de cerimónias como aquela.
Nas contas do INE, o decréscimo comparativamente com o ano anterior (33.272 casamentos) foi de 43,2%. “Na última década, o número de casamentos esteve sempre acima dos 30.000 e, desde que há registos, nunca se verificou um valor tão baixo”, lê-se no documento, que especifica que, dos 18.902 casamentos celebrados no ano passado, 11.985 tinham residência anterior comum, 16.087 foram realizados apenas na forma civil e 445 foram de pessoas do mesmo sexo.
Por causa disso, mas confirmando uma tendência que já vinha de anos anteriores, 57,9% dos 84.426 bebés de 2020 nasceram fora do casamento, isto é, são filhos de pais que não eram casados entre si. Em 2019, a proporção de nados-vivos fora do casamento era de 56,8%. E temos de recuar a 2011 para encontrar um valor em que a proporção de nados-vivos fora do casamento era de menos de metade do total de nascimentos: 42,8%. Nos últimos seis anos consecutivos, os bebés nascidos fora do casamento representaram sempre mais de metade do total de nascimentos.
Mulheres acima dos 35 responsáveis por mais de 33% dos bebés
Se fizermos um zoom por regiões, percebe-se que no Algarve 68,8% dos bebés nasceram fora do casamento. No Norte, essa proporção não ultrapassa os 50,7%. Uma diferença que a maior ou menor presença de estrangeiros e o maior ou menor peso da religião podem ajudar a explicar.
Curiosamente, no primeiro semestre de 2020, o número de nados-vivos até foi superior ao de 2019 (à excepção do mês de Fevereiro), o que vem reforçar a tendência de que foi a pandemia o factor decisivo desta interrupção da curva ascendente dos nascimentos que se vinha observando desde que o país começou a recuperar da crise social e económica do início e meados da década passada.
A descida da natalidade atravessou todo o território, em particular na Área Metropolitana de Lisboa, onde a quebra atingiu os -4,9%, quase o dobro da média nacional.
As mães com mais de 35 anos foram o único grupo onde a natalidade aumentou em cerca de 9,8 pontos percentuais. Em contrapartida, a proporção de nados-vivos de mães com idades entre os 20 e os 34 anos de idade baixou 8,2 pontos percentuais. Este é, ao contrário das mulheres com mais de 35 anos, o grupo etário onde o projecto da parentalidade pode continuar a aguardar por melhores dias. De resto, 33,7% dos nascimentos de 2020 foram de mães com mais de 35 anos de idade, ligeiramente acima dos 33,3% de 2019.