26.4.21

Vale Domingos: a aldeia que é cada vez mais a capital das magnólias. E da inclusão

Maria José Santana (texto) e Adriano Miranda (fotografia), in Público on-line

O parque botânico criado pela comunidade acaba de ganhar um centro interpretativo e tem planos para crescer. Tanto quanto o orgulho daqueles que ajudaram a transformar a aldeia num exemplo de inovação social.

Quem hoje chega à aldeia de Vale Domingos, em Águeda, terá dificuldade em acreditar na história recente do lugar. O jardim está impecavelmente cuidado, ciganos e não ciganos convivem e trabalham como iguais, orgulhosos daquele canto que é de todos. Ninguém diria que, há não muitos anos, aquele lugar era conhecido pelos piores motivos – o nome da terra era associado a alguma criminalidade. A partir de 2015, Vale Domingos transformou-se por completo, por conta de um projecto que é bonito por dentro e por fora. A população uniu-se para transformar um baldio num parque botânico. Mais do que a recuperação ambiental, conseguiu-se criar um verdadeiro espírito de comunidade, numa aldeia em que cerca de um terço dos seus habitantes são de etnia cigana. Tanto assim é que o projecto não pára de crescer e de ganhar novas ramificações.

Poucos dias depois de ter inaugurado o Centro Interpretativo do parque que tem uma das maiores colecções de magnólias do mundo, Ricardo Pereira, presidente da Associação Cultural e Recreativa de Vale Domingos já está a pensar no próximo passo. “Temos aqui 1,1 hectares de área, com o jardim, parque de merendas e parque infantil, e estamos na iminência de ampliar para o dobro”, anuncia o dirigente. Em simultâneo, estão também a construir, noutro ponto da aldeia, um Parque da Sustentabilidade. “Já andámos a arrancar as invasoras e agora, estamos plantar carvalhos, sobreiros e outras árvores da nossa floresta”, desvenda, ainda, Ricardo Pereira.

Este empresário de 38 anos foi um dos filhos da terra que há sete anos esteve na génese do projecto que hoje é uma referência nacional de inclusão social. “A aldeia não tinha a credibilidade suficiente para haver aqui investimento; o que se fizesse era para ser vandalizado”, recorda Ricardo Pereira. A comunidade optou por ser ela própria a construir, mostrando que era capaz. “Os habitantes deram a mão-de-obra e a junta de freguesia cedeu a maquinaria”, prossegue, a propósito da missão para a qual contou com uma grande ajuda. Júlio Oliveira, de 63 anos, patriarca de uma das duas comunidades ciganas de Vale Domingos, não hesitou em abraçar o projecto que cedo percebeu que iria ajudar os seus, conforme faz questão de notar.

Começava aí um capítulo novo na história da aldeia. Vale Domingos ficou mais airosa, os seus habitantes tornaram-se verdadeiros guardiões do espaço público - cuidando de cada “sinal ou árvore que apareciam derrubados” – e, sempre que é preciso ir trabalhar para o terreno, “já não se fazem grupinhos”. “É tudo como uma família”, assegura Júlio Oliveira, minutos antes de confessar que já não passa sem o “seu” parque.

Campeões dos orçamentos participativos

O nome da aldeia de Vale Domingos tem-se feito notar nos vários Orçamentos Participativos de Portugal e também nos municipais. “Somos os recordistas das participações e ganhamos todos”, repara, com orgulho, Ricardo Pereira. O projecto do parque botânico foi o primeiro a merecer honras de destaque, mas as candidaturas não têm parado. Nem vão parar. “Vamos transformar isto numa aldeia turística. Vale Domingos, que era uma terra onde as pessoas tinham medo de trazer o carro com receio que o assaltassem, hoje é a aldeia capital das magnólias e tem uma das maiores colecções de áceres”, vinca o presidente da Associação Cultural e Recreativa da aldeia.

O foco passa por ter ali “a maior colecção de magnólias do mundo”. “Para já é a quarta ou a quinta, mas vamos ser a maior”, antecipa Ricardo Pereira, assegurando que a “magnolomania” se estenderá para além do parque. Querem contagiar toda a aldeia, decorando cada jardim, cada rotunda, com aquelas plantas exóticas. Porquê esta espécie em particular? “Percebemos que havia 300 e tal variedades diferentes e que dava para ter um parque muito colorido”, justificam.

Neste momento, o objectivo passa por adquirir “as cerca de 30 variedades” que faltam para alcançar o título de “maior colecção de magnólias do mundo”, a par com a já referida expansão do parque. Outro projecto já delineado passa pela criação de uma escola de ciclismo onde “as crianças do quarto ano de escolaridade podem ir tirar um certificado para andar de bicicleta”, desvenda Ricardo Pereira. Noutro âmbito, mas também já devidamente idealizado e orçamentado, surge o projecto da “Feira das Lambarices” – que foi o mais votado no Orçamento Participativo de Portugal 2018. “Vai acontecer em Setembro, em Águeda, e contará com toda a doçaria nacional”, revela.

Em simultâneo, a associação que começou por ser apenas um grupo folclórico – em vez de criar uma nova entidade, os promotores da ideia do parque botânico decidiram juntar-se a um organismo já existente –, está também a trabalhar, em apoio com a Câmara Municipal de Águeda, a mediação intercultural. Além de acompanhar a integração da comunidade de Vale Domingos no mercado de trabalho, incentivam as crianças e jovens no seu percurso escolar e profissional, combatendo o abandono escolar, o absentismo e a falta de objectivos de vida.