Maria Moreira Rato, in iOn-line
Os direitos dos idosos em tempo de pandemia são o mote de um seminário online organizado por uma universidade em Minas Gerais. Joana Aroso, advogada da JPAB – José Pedro Aguiar Branco Advogados e especialista em direitos humanos, vai dar a visão do que se vive em Portugal. “Os lares em Portugal ainda estão configurados à semelhança de hospitais e enfermarias”, aponta.
Será a única palestrante portuguesa no IV_Seminário Internacional de Direitos Humanos, que se realiza entre os dias 7 e 9 de abril, em formato online, com a comunicação “Os Direitos dos Idosos em Portugal - Enquadramento e Desafios à Luz da Constituição Portuguesa”. De que irá falar?
Este é o quarto seminário promovido pelo Centro Universitário Planalto de Araxá, de Minas Gerais, no Brasil, e é todo ele dedicado ao tema dos direitos dos idosos no contexto dos direitos humanos e no facto de serem negligenciados ao longo dos tempos e, claro está, de terem sido alvo de violações ainda mais extremadas durante a pandemia. Embora o tema não seja restrito à covid-19, a minha perspetiva passará por fazer o enquadramento do mesmo à luz da Constituição portuguesa, e não poderia desconsiderar a pandemia.
Que impacto teve o surgimento do coronavírus nesta área do Direito?
Fez-nos pensar ou repensar um tema acerca do qual se deve refletir, ou seja, a forma como a sociedade encara os idosos. Toda a gente quer viver mais tempo, mas não quer envelhecer. Há uma mudança de paradigma urgente que passa por não se associar a chamada idade dourada ao declínio. Esta perspetiva está ultrapassada e não corresponde à realidade.
O que deve ser feito para que esta faixa etária seja valorizada?
Vive-se muito mais tempo e a aposta tem de ser num envelhecimento ativo e na economia grisalha: perceber que as pessoas, a partir de uma determinada idade, não estão num declínio financeiro, até têm oportunidade de planear o futuro e investir no mesmo.
Que problemas encontra nos lares?
Temos o nosso sistema residencial para idosos baseado nos estabelecimentos residenciais porque precisam de um determinado apoio ou, por opção, residem nos lares. E estes estabelecimentos, em Portugal, ainda estão configurados à semelhança de estabelecimentos hospitalares e enfermarias. Na minha opinião, isso fez com que, num contexto em que, por razões de saúde pública, se impôs o isolamento destas pessoas, existissem consequências em termos psicológicos e até de agravamento de condições como a demência. Tudo isto ainda está a ser avaliado.
O que poderia ter sido feito para diminuir os efeitos nefastos do distanciamento social?
Se, para além da aposta do ponto de vista clínico, se tivesse também apostado nas estratégias de potenciação do envelhecimento ativo, na modernização e nas ferramentas digitais, o isolamento poderia não ter sido assim tão grande. Nem todos os idosos institucionalizados estão incapacitados. Muitos, mentalmente, estão extremamente ágeis.
As Academias e Universidades Seniores encerraram temporariamente os espaços físicos, mas foi criada a Universidade Sénior Virtual, em abril de 2020.
Preocupámo-nos com o ensino à distância das crianças e dos jovens, mas não me parece que nos tenhamos preocupado de igual forma com o ensino dos idosos. Por outro lado, os centros de dia fecharam e reabriram nesta segunda-feira. Durante todo este tempo, os idosos, para quem o centro de dia ocupava tempo e representava uma forma de ser ativo e interagir, não puderam fazê-lo. Parece-me que isto não foi pensado.
O Governo não presta a devida atenção às camadas mais velhas da população?
Têm existido recomendações de que se envelheça com dignidade e que o bem-estar vá para além da saúde física. É preciso que se assuma que o idoso tem direito à sua realização pessoal, não só a ter cuidados de saúde e não a que olhem para ele de forma somente assistencialista. Deve aprender, fazer investimentos, estudar… Tudo isto, a meu ver, tem vários eixos de atuação, mas passa por uma estratégia digital: não se pode excluí-los. Também deve existir uma política de habitação inovadora. Não só da habitação pessoal, mas também daquela que é comunitária. Devemos fazer estas apostas para que, num cenário como este, em que nos resta apenas a tecnologia e o meio interior, os idosos se possam manter mentalmente sãos.
As aldeias sociais de Águeda e Portimão são uma boa resposta social?
São um caso de estudo porque exemplificam aquilo que mencionei. Mas, para se promover a intergeracionalidade e para que não se faça de uma comunidade de idosos um gueto, sugiro também a criação de um lar de idosos junto de um infantário, pois tal pode gerar partilhas muito interessantes.
Como são encarados os mais velhos pelos mais novos em Portugal?
Existe a cultura ocidental de que, a partir de uma certa idade, não servimos para nada. Isto vem do tempo da Revolução Industrial, por se associar os jovens à produtividade, e também pela questão da modernidade, de tudo ser usado rapidamente e descartado. Os idosos foram o grupo mais afetado em termos de mortes, de casos ativos de doença e de isolamento desde o aparecimento da covid-19. Uma das conclusões a que o Vaticano chega, no documento “A velhice: o nosso futuro. A situação dos idosos após a pandemia” é que o lugar dos mesmos é em casa.
A legislação nacional tem acompanhado o aumento da esperança média de vida?
A nossa Constituição consagra o direito à terceira idade, mas, na prática, existe uma portaria que regula as condições de organização e funcionamento aos quais devem obedecer as estruturas residenciais e é percetível que ainda estamos a gerir questões que têm que ver quase com o funcionamento técnico destas estruturas, como o número de enfermeiros por utente ou a quantidade de camas articuladas ou cadeiras de rodas que deve existir.
Mas prestar atenção a estas questões não é relevante?
Claro, mas se há idosos que estão afetados por patologias variadas, há outros que não estão, e que, por alguma opção, preferem viver numa estrutura comunitária. É preciso que a mesma os desafie nas suas capacidades. A minha ideia nesta intervenção não é fazer uma abordagem exaustiva das leis, mas sim destacar os maiores problemas nacionais. Que, no fundo, são extremamente ocidentais e abrangentes.
Têm sido noticiados atropelos aos direitos dos idosos em lares.
Uma das coisas que me sensibiliza é a forma como se nota que a maioria dos funcionários trata bem os idosos, nestas instituições. Contudo, a pandemia também constituiu uma oportunidade para descobrir “os podres” destes lugares. Não me esqueço, por exemplo, da mulher que acolhia idosos, de forma clandestina, num apartamento em Riachos, Torres Novas.
Que ideias defende que os decisores políticos devem ter em mente quando planeiam a vida dos idosos no nosso país?
Tem de se melhorar a saúde e a qualidade de vida. Não se pode partir do pressuposto de que, quando se chega à idade da reforma, não se pode evoluir. Tem-se mais tempo livre e, numa fase da vida em que se fez face aos maiores encargos, até pode haver aforro disponível para investir em algo. Há uma série de componentes que estão a ser negligenciadas como se a pessoa não fosse socialmente útil a partir dos 65 anos. A personalidade só cessa com a morte, temos direito de a desenvolver até ao fim.