9.6.21

Edmundo Martinho propõe objetivo. "Nenhuma família com crianças abaixo do limiar da pobreza até 2030"

Inês Braga Sampaio, in RR

Posição defendida, na conferência Pandemia: Respostas à Crise, por Edmundo Martinho, coordenador da Comissão de Estratégia Nacional de Luta Contra a Pobreza.

Um dos principais objetivos da Comissão de Estratégia Nacional de Luta Contra a Pobreza é conseguir que, até 2030, nenhuma família com crianças esteja abaixo do limiar da pobreza.

Foi essa a meta delineada, esta quinta-feira, pelo coordenador da comissão, em discurso na conferência Pandemia: Respostas à Crise, uma iniciativa da Renascença em parceria com a Câmara de Gaia para debater o papel das Instituições Sociais e do Poder Local. Edmundo Martinho assumiu que "possível pode não ser", mas que é "com certeza possível ir dando passos" nesse sentido.

"Temos vindo a melhorar progressivamente os indicadores da pobreza infantil, mas o entendimento que temos é que é preciso quebrar os ciclos de reprodução geracional da pobreza. É preciso, de alguma forma, introduzir aqui um corte, mas não há forma de dar a volta a isto se não for com uma intervenção robusta e muito poderosa no que diz respeito às famílias que têm crianças. Deveríamos ter como objetivo que até 2030 nenhuma família com crianças estivesse abaixo do limiar da pobreza no seu rendimento", declarou o dirigente.

A intervenção sobre a pobreza infantil faz-se em várias áreas, que vão desde a habitação à escolaridade, dos rendimentos aos apoios sociais: "Não há nenhuma razão para que não tenhamos uma ambição desta dimensão para as nossas crianças."

"Não podemos ter soluções paliativas. Temos de ter soluções transformadoras se quisermos não apenas erradicar a pobreza infantil, mas contribuir decisivamente para que uma criança que nasce pobre não tenha necessariamente o seu destino traçado no momento em que nasce, e há-de morrer pobre e os seus filhos hão-de ser pobres. Isso é uma coisa que temos condições para poder transformar", frisou.
Creches devem ser integradas na tutela da educação

Edmundo Martinho assumiu que reduzir os índices de pobreza infantil de forma tão severa "não é uma tarefa fácil, exige recursos". Contudo, lembrou que, "há uns anos largos", o mesmo trabalho foi feito para os idosos e que se conseguiu desenvolver uma prestação "muito transformadora das condições de vida dos pensionistas".

Um dos campos de ação para a erradicação da pobreza infantil são as creches, que, no entender do coordenador da Comissão de Estratégia Nacional de Luta Contra a Pobreza, devem ser entendidas, "fundamentalmente, como um instrumento de crescimento e desenvolvimento de cada criança" e, nesse sentido, constituídas "como um direito de cada criança". Para tal, defende Edmundo Martinho, "as creches devem ter uma tutela conjunta com a educação".

"A creche não deve estar separada de estratégias educativas que tenham alguma continuidade e coerência. Esta dimensão das crianças é para nós uma dimensão essencial deste projeto e implica que deveria haver aqui uma intervenção com um caráter muito poderoso e muito robusto. É importantíssimo que se possa fazer este debate", frisou.

Trocar bairros sociais por outras formas de integração

Também na habitação Edmundo Martinho defende maior articulação, para que não seja cada uma das estratégias de ação social "a desenvolver-se por si sem se perceber quais são as proximidades que existem". Nessa perspetiva, o coordenador defendeu que "lógica dos bairros sociais deveria progressivamente ser abandonada".

"Devemos encontrar formas distintas de integração de todas as pessoas no tecido habitacional das comunidades. Para muitas crianças que nascem e crescem em determinados meios habitacionais, isso acaba por ser uma marca muito forte na forma como se desenvolvem e isso implica, naturalmente, dificuldade de desenvolvimento de capacidades e de integração plena em termos sociais. A partir desta dimensão das crianças, quase conseguimos tocar todas as áreas", assinalou.

A saúde é outro aspeto que deve ser melhorado, na perspetiva de Edmundo Martinho. Dando o exemplo da saúde oral, que "representa hoje para muitas crianças a diferença entre uma integração plena e dificuldades de integração", defendeu que devem ser proporcionados "cuidados de saúde preventivos muito mais precoces".

A importância de redirecionar esforços para as crianças fica exemplificada no Rendimento Social de Inserção (RSI), em que a participação desta faixa demográfica nos agregados "foi perdendo peso no cálculo da prestação", alertou Edmundo Martinho.

"Devíamos agora fazer o percurso inverso: sublinhar e dar peso crescente a todas as crianças nos agregados beneficiários de RSI. A criança que nasce e se desenvolve num agregado RSI, à partida, está condenada a viver numa situação de défice num conjunto de direitos e de condições de vida", lamentou, urgindo a que seja invertido o rumo.
Revolucionar a forma como se pensa as prestações

O exemplo do RSI sustenta outro argumento de Edmundo Martinho: "Precisamos de melhorar muito a forma como nos organizamos."

"Uma das respostas que temos é que caminhemos progressivamente para uma única prestação de cidadania, para que possamos fundir numa única prestação as prestações diferentes", defendeu.

O coordenador da Comissão de Estratégia Nacional de Luta Contra a Pobreza considera "essencial" que o sistema "ganhe em coerência" na forma como se encara o universo prestacional de natureza não contributiva. É essencial melhorar as condições de acesso e na capacidade de serem "transformadoras da vida das pessoas".

Resposta social à pandemia permite tirar conclusões

Edmundo Martinho entende que a pandemia da Covid-19 deixou evidente a necessidade de reforçar progressivamente e de forma cada vez mais intensa as respostas públicas no domínio da saúde e da Segurança Social, sobretudo na perspetiva da sustentabilidade das soluções na confiança dos cidadãos nas resposta e na sua solidez.

O coordenador da Comissão de Estratégia Nacional de Luta Contra a Pobreza salientou, ainda, que "ficou bem à vista a importância das soluções de proximidade" e como estas "se tornaram mais eficazes" com partilha de responsabilidades e comunhão de práticas.

O Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social viram a sua relevância reforçada. Contudo, Martinho considera que faltou "maior articulação" entre ambos e que "é preciso aprofundar essa relação".