Amílcar Correia, editorial, in Público on-line
Vinte e cinco anos depois, justifica-se que se estude o impacto da medida nos actuais beneficiários e no trajecto dos que, na altura, eram crianças, como sugere Eduardo Ferro Rodrigues, ministro da Segurança Social na altura do lançamento do programa.
O Rendimento Mínimo Garantido foi criado para dar um mínimo de dignidade a quem vivia em situações de pobreza extrema e evoluiu para uma medida de reinserção a cumprir por quem é culpado da sua pobreza. As palavras não são inócuas. Num Estado social incipiente, como era o português há 25 anos, quando esta prestação foi atribuída pela primeira vez, no demolido Bairro dos Pescadores, em Quarteira, a pobreza era uma fatalidade hereditária. O Estado Novo sempre a abençoou, casta, abnegada e conformada com a esmola à porta da igreja.
A ideia de um rendimento mínimo sempre gerou clivagens ideológicas acentuadas e sempre foi usada, como ainda, recentemente, nas eleições regionais nos Açores e nas presidenciais, como argumento político para separar os portugueses bons dos outros. Não há prestação social cujos custos e efeitos tenha sido politicamente tão manipulada, por quem prefere o assistencialismo que infantiliza quem precisa de apoio de emergência.
E, mais de duas décadas depois, discute-se a atribuição de um Rendimento Básico Incondicional, para garantir condições de vida decentes, que permita que alguém viva sem os constrangimentos económicos que conduzem à exclusão.
Entre Março de 2020 e Março de 2021, o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) cresceu 8,3%: há mais 16.636 pessoas a receber este apoio do Estado porque precisam dele para sobreviver à devastação económica que o vírus provocou e não por opção de estilo de vida (o estereótipo mais frequente entre os seus detractores). O RSI não elimina a pobreza, atenua a sua gravidade.
Os seus principais beneficiários sempre foram as crianças. Ninguém deixa de ser pobre por auferir uma prestação tão baixa. O que aquele aumento traduz é o efeito directo da pandemia no emprego, invertendo a tendência de redução em 16% do número de pessoas em risco de pobreza, segundo os dados do INE relativos a 2019.
Vinte e cinco anos depois, justifica-se que se estude o impacto da medida nos actuais beneficiários e no trajecto dos que, na altura, eram crianças, como sugere Eduardo Ferro Rodrigues, ministro da Segurança Social aquando do lançamento do programa. Talvez os seus resultados positivos se sobreponham, de vez, ao discurso da fraude, como se Rabo de Peixe fosse responsável pelos défices do Estado. Mais do que nunca no passado recente, também se justifica a sua revisão e adaptação às necessidades actuais, para que seja mais eficaz. Não há cidadania na desigualdade.