16.6.21

Portugal criticado por manter limite de 44 horas semanais para empregadas domésticas

Mariana Oliveira, in Público on-line

Treze por cento dos trabalhadores domésticos em Portugal perderam o emprego durante a pandemia de covid-19, enquanto nas restantes profissões a percentagem foi quatro vezes menor, revela relatório da Organização Internacional do Trabalho.

Portugal ainda protege menos os trabalhadores domésticos do que os restantes profissionais em alguns aspectos. Exemplo disso é o limite semanal do período normal de trabalho que para as empregadas domésticas é de 44 horas semanais, enquanto para os trabalhadores em geral é de 40 horas. O fosso ainda é maior quando comparado com as 35 horas semanais que vigoram na Função Pública.

Portugal é apontado a este nível como um mau exemplo da discriminação a que ainda estão sujeitos os trabalhadores domésticos, num relatório divulgado esta terça-feira pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento, intitulado Tornar o trabalho decente uma realidade para os trabalhadores domésticos, faz o balanço dos dez anos da Convenção dos Trabalhadores Domésticos, de 2011, o primeiro instrumento legal internacional dedicado a este grupo profissional, que pretende garantir que estes funcionários têm os mesmos direitos do que qualquer outro trabalhador.

No mundo todo, estima a OIT, há pelo menos 75,6 milhões de trabalhadores domésticos, muitos sem qualquer tipo de protecção legal. “Desempenham um papel essencial na satisfação das necessidades de cuidados directos e indirectos de muitos milhões de agregados familiares, mas, historicamente, têm sido excluídas das legislações laboral e de segurança social”, sublinha Claire Hobden, perita da OIT e autora do relatório, em declarações ao PÚBLICO.

O documento mostra que 88% dos países analisados reconhecem agora o trabalho doméstico como trabalho através de uma variedade de instrumentos legais. “Em resultado disso, houve uma redução de 16,3 pontos percentuais na proporção de trabalhadores domésticos que estão completamente excluídos das leis laborais. Hoje em dia, 36% continuam totalmente excluídos”, resume a autora do relatório.

Em Portugal serão, segundo dados de 2018, perto de 109 mil, dos quais 97,5% são mulheres e apenas 2,5% homens. A proporção é bem mais díspar do que a média mundial, que indica que pouco mais de três quartos dos trabalhadores domésticos são mulheres. Na Europa e Ásia Central a percentagem sobe para perto de 85%, mesmo assim muito distante da realidade portuguesa. Apesar deste grupo na União Europeia a 27 ser abrangido pela legislação laboral e de a maior parte gozar de algum tipo de cobertura da Segurança Social, muitos possuem rendimentos baixos, fruto da tendência forte para horários de trabalho mais curtos pagos numa base horária e apenas por algumas horas por semana. “Embora possam ser os trabalhadores domésticos que ganham mais por hora (em comparação com outras regiões), ainda assim ganham apenas 52,5% do salário médio mensal de outros trabalhadores”, nota Claire Hobden.

As condições de trabalho são agravadas por condições de informalidade, uma situação que na UE-27 abarca 63,8% do total. Tal significa um número pelo menos 4,5 vezes superior ao dos outros trabalhadores daquela região.
Lacunas na aplicação das leis

"Embora o relatório mostre claramente o progresso na cobertura legal [destes trabalhadores], também revela as grandes lacunas na aplicação dessas leis. Novas estimativas mostram que mais de 80 por cento dos 75,6 milhões de trabalhadores domésticos do mundo estão em empregos informais, o dobro da proporção de outros profissionais. Os seus salários e horários de trabalho, em média, são bem menos favoráveis ​​do que os de outros trabalhadores. De facto, ainda há um longo caminho pela frente”, sublinha o director-geral da OIT, Guy Ryder, no prefácio do relatório.

A pandemia, constata a OIT, afectou particularmente este grupo de profissionais, em parte porque uma parte significativa destes trabalhadores estão em situação precária. A comparação entre o número de trabalhadores domésticos existente no último trimestre de 2019 e os que havia no segundo trimestre de 2020 mostra uma redução de 13,5% deste grupo de profissionais. Nos restantes trabalhadores a diminuição foi de quatro vezes menos, ou seja, ficou-se pelos 3,4%. Uma comparação entre os mesmos períodos, mas ao nível das horas trabalhadas mostra igualmente o efeito devastador da pandemia para as empregadas domésticas em Portugal. No segundo trimestre de 2020 registou-se uma quebra de 47,6% no número de horas trabalhadas face ao final de 2019, enquanto nas restantes profissões essa redução ficou-se pelos 26,6%.

Apesar de ter aspectos negativos, no quadro geral Portugal tem uma protecção razoável dos direitos das empregadas domésticas. Num rol de sete itens avaliados pela OIT, Portugal cumpre integralmente cinco. Descanso semanal, férias, salário mínimo, licença de maternidade e subsídios de maternidade são direitos garantidos aos trabalhadores domésticos, sem discriminação face a outros grupos. No entanto, apesar das leis existirem tal não significa que sejam cumpridas. “Os dados da OIT mostram que em Portugal, 36,4% dos trabalhadores domésticos são pagos abaixo do salário mínimo, mostrando uma importante lacuna em termos de cumprimento”, nota a autora do relatório. Uma situação diferente do que ocorre com o limite semanal de trabalho, as tais 44 horas, um problema legal. Um indicador é avaliado negativamente pela OIT, apesar de em Portugal vigorar para os trabalhadores em geral. Trata-se da possibilidade dos funcionários receberem parte do salário em espécie, nomeadamente em alimentação e alojamento.

Em termos percentuais, Portugal é um dos países europeus com mais empregados domésticos. Este tipo de funcionários representa 2,2% dos trabalhadores em geral, uma proporção só alcançada pelo Chipre (3,4%), por Itália e por Espanha (ambos com 3,3%).