Numa altura em que subiu o número de pessoas em situação de pobreza, o grupo dos mais ricos também engrossou. Os 1% mais ricos em Portugal concentram 20% da riqueza. Metade mais pobre só tem 6,5%.
Mesmo apesar da pandemia, e dos seus efeitos na economia nacional e no rendimento das famílias, Portugal ganhou milionários ao longo do ano passado. Segundo o mais recente The Global Wealth Report, referente a 2020 — ano maioritariamente marcado pela Covid-19 —, Portugal tem 136.430 milionários, mais 19.430 do que no relatório de 2019.
De facto, o número de milionários — pessoas com fortunas avaliadas acima de um milhão de dólares (cerca de 840 mil euros) — em Portugal está a subir, nas contas do banco, desde 2015, ano em que foram contabilizadas 51.000 pessoas com uma riqueza superior a um milhão de dólares. Nesse ano, verificou-se uma queda face a 2014 (76.000), possivelmente devido aos efeitos da crise financeira. Já no relatório divulgado em outubro de 2019, com dados até meados desse ano, o Credit Suisse identificava 117 mil milionários no país, número que subiu para os 136.430 em 2020. O banco só começou a publicar dados para Portugal sobre o número de milionários a partir de 2014.
Em termos desagregados, os dados do Credit Suisse mostram que Portugal tinha, em 2020, 128.772 pessoas com uma fortuna avaliada entre um milhão e cinco milhões de dólares, 5.505 com entre cinco e dez milhões, 2.056 com riqueza entre 10 de 50 milhões. No grupo dos mais ricos, estão 72 com entre 50 e os 100 milhões e 24 entre os 100 e os 500 milhões. Uma pessoa tem uma fortuna acima dos 500 milhões de dólares.
Esta estimativa difere de outros rankings, como o da Forbes (que, em 2019, contabilizava pelo menos dez portugueses com fortunas acima dos 500 milhões de euros). Os cálculos da Forbes são tidos em conta pelo Credit Suisse porque, “embora possam ser criticados nalguns aspetos”, aplicam “métodos consistentes a vários países”. Mas há mais fatores a pesar nas contas do banco.
O Credit Suisse nota que há outros relatórios com números inferiores aos que o banco tem divulgado e avança explicações para as discrepâncias: diz que muitos rankings só têm em conta “ativos de investimento” (que incluem os saldos de contas bancárias, certificados de depósito, fundos mútuos, ações e títulos), que, por sua vez, “não consideram as casas ocupadas pelo proprietário”. O banco pondera, assim, tanto ativos financeiros, como não financeiros, assim como dívidas.
As estimativas são também baseadas em dados das agências nacionais de estatísticas sobre o rendimento das famílias. “O objetivo é fornecer uma cobertura abrangente dos ativos que as pessoas reconheceriam como parte de sua riqueza pessoal: moradias, terras, poupanças, investimentos, etc”, incluindo também fundos de pensões.
Segundo o relatório, foi o grupo dos 5 aos 10 milhões que, em termos percentuais, mais cresceu (uma subida de 19%, mais 885), mas em termos absolutos foi a faixa de um milhão a cinco milhões que mais ricos recebeu (foram mais 18.075, um aumento de 16%).
Estes crescimentos foram suficientes para compensar as quebras nos grupos dos mais ricos (entre os mais ricos). Por exemplo, em 2019, contabilizavam-se duas pessoas com fortunas além dos 500 milhões; em 2020, esse número reduziu-se em metade. Outro exemplo: nas fortunas avaliadas entre 100 e 500 milhões, o número de milionários desceu 14%, passando de 28 em 2019 para 24 em 2020.
Os dados contrastam fortemente com os da pobreza, que tem crescido em Portugal no último ano. Um estudo divulgado esta terça-feira, feito pela Universidade Católica, revela que mais 400 mil pessoas ficaram abaixo do limiar da pobreza devido à crise pandémica, o que agravou o fosso entre ricos e pobres em Portugal.
Além disso, cada um dos 8,3 milhões de portugueses adultos tem, em média, uma riqueza de 142.537 dólares, uma subida face aos 131.088 dólares registados em 2019. É quase três vezes mais face o início do milénio (52.357). Já quanto a dívidas, os dados do Credit Suisse apontam para que, em média, cada adulto português tenha um passivo de 20.389 dólares.
Parcela dos 1% mais ricos em Portugal concentra 20% da riqueza. Metade mais pobre só tem 6,5%
Os números permitem também ver como Portugal continua um país desigual. Em 2020, a parcela restrita dos 1% mais ricos detinha 20,1% da riqueza do país, mais uma décima do que em 2019. Já os 10% mais ricos concentram mais de metade da riqueza — 56,2%. No outro extremo da balança, metade da população apenas detém 6,5%, um valor que está a cair: em 2019, no pré-pandemia, estava nos 7,2%.
A nível global, os dados são ainda mais alarmantes: “Estimamos que os 50% mais pobres na distribuição global da riqueza representem, em conjunto, menos de 1% da riqueza global no final de 2020. Em contraste, o decil dos mais rico (os 10% mais ricos) tem 82% da riqueza global e o percentil mais alto (1% mais rico) sozinho tem quase metade (45%) de todos os ativos”, escreve o Credit Suisse.
Escreve o banco que “as repercussões da pandemia Covid-19 levaram a aumentos generalizados da desigualdades na distribuição da riqueza em 2020“. Nos países que não implementaram medidas de apoio como o layoff e outras de transferência monetárias “o impacto económico da pandemia no emprego e nos rendimento em 2020 é provável que tenha penalizados os grupos mais baixos de detenção da riqueza, forçando-os a recorrem às suas poupanças e/ou a incorrer num aumento da dívida”. Por outro lado, os mais ricos “saíram relativamente ilesos da redução nos níveis de atividade económica e, mais importante, beneficiaram do impacto das baixas taxas de juro nos preços das ações e das casas”.
Em todo o mundo, há agora mais cinco milhões de milionários para um total de 56,1 milhões de pessoas. Aliás, de forma geral, a riqueza das famílias aumentou no último ano 28,7 biliões de euros, totalizando 418,3 triliões. Como é que isso — e o facto de os países mais afetados pela pandemia Covid-19 terem sido “muitas vezes os que registaram os maiores ganhos de riqueza por adulto” — aconteceu, dado os impactos da pandemia na economia?
A resposta, diz o banco, está na ação dos governos e bancos centrais. “Muitos governos e bancos centrais nas economias mais avançadas, ansiosos por evitar os erros cometidos durante a crise financeira global, tomaram medidas preventivas de duas maneiras: primeiro, organizaram programas massivos de transferência de rendimento para apoiar os indivíduos e as empresas mais adversamente afetados pela pandemia e, segundo, reduzindo as taxas de juro — muitas vezes para níveis próximos de zero — e deixando claro que as taxas de juros vão permanecer baixas por algum tempo”, explica o Credit Suisse.
Há, assim, “poucas dúvidas” de que estas intervenções foram “altamente bem sucedidas”. Só que trouxeram com elas outros custos. “A dívida pública em percentagem do PIB aumentou em todo o mundo em 20 pontos percentuais ou mais em muitos países. No essencial, tem havido uma enorme transferência do setor público para as famílias, o que é uma das razões pelas quais a riqueza das família tem sido tão resiliente”. A isso acresce o “aumento das poupanças” devido às restrições no consumo determinadas na resposta à pandemia.
Na UE a 27, Portugal é 14.º na riqueza por adulto. Só subiu um lugar desde a última crise
Em Portugal, um adulto tem, em média, uma riqueza de 142.537 dólares, o que inclui riqueza financeira, mas também não financeira (por exemplo, imóveis, carros, etc.). Com este número, o país está, praticamente, a meio da tabela da União Europeia a 27 — em 14.º, um lugar acima do que estava em 2014, um ano ainda afetado pela crise financeira. Nesse ano, a riqueza média por adulto era de 122.423 dólares.
Desde então, Portugal ultrapassou a Grécia, que desceu três posições e até viu a riqueza média por adulto cair na comparação direta entre 2014 e 2020 (de 128.602 para 104.603 dólares).
Ainda assim, Portugal está abaixo da média da UE (184.000) e tem uma riqueza que é 77% deste valor (quando, em 2014, era de 81%).
A liderar a tabela continua o Luxemburgo (477.306 dólares em 2020 e 470.632 em 2014). No ano passado, completaram o pódio os Países Baixos (377.092) e a Dinamarca (376.069). Já no extremo oposto, os últimos três lugares continuam a ser ocupados pelos mesmos países: a Bulgária (36.443), a Roménia (50.009) e a Hungria (53.664), que, ainda assim, melhoraram face a 2014.