7.6.10

Analistas alertam que Espanha não pode apoiar a recuperação económica portuguesa

Por Nuno Ribeiro, Espanha, in Jornal Público

O consumo interno espanhol será anémico. As importações caem. Os tempos são outros no melhor cliente de Portugal


O principal mercado das exportações portuguesas está doente. Analistas espanhóis comentam ao PÚBLICO a origem das dificuldades, a evolução prevista, e alertam para uma conclusão. Um retrato sombrio. Desta vez, Portugal não pode contar com o vizinho ibérico para a sua recuperação.

"Portugal não pode contar nos próximos 12 meses com a Espanha para crescer", sentencia Emílio Ontiveros, catedrático de Economia de Empresas da Universidade Autónoma de Madrid e fundador da Analistas Financeiros Internacionais (AFI). "Os planos de redução dos défices em Espanha e na Europa vão afectar o crescimento e a capacidade de recuperação da economia espanhola", antevê, por seu lado, Maria Jesus Fernández, analista do gabinete de Conjuntura e Estatística da Fundação das Cajas de Ahorro de Espanha (Funcas).

A declaração de Ontiveros e a explicação de Maria Jesus Fernández fecham o círculo sobre as bondades da economia espanhola para absorver exportações lusas e favorecer o crescimento português. A palavra de ordem "Espanha, Espanha, Espanha", lançada por José Sócrates após a sua primeira vitória eleitoral em 2005, já não tem vigência. Para lamento dos espanhóis e apreensão dos portugueses, os tempos são outros.

"Portugal apostou muito no consumo espanhol e este vai ser muito moderado", refere o catedrático. "Embora o impacto seja maior nos rendimentos mais baixos, existe uma inibição no gasto da população com uma taxa de poupança próxima dos 20 por cento", acentua. Nos cálculos da Funcas, a austeridade espanhola equivale, para já, a uma quebra de meio ponto no crescimento do PIB. "Vai haver mais ajustes, medidas estruturais, e o crescimento das importações em 2011 será muito fraco, porque a procura interna vai ser mais débil", comenta a analista. A consequência é inevitável: "O consumo interno tem pouca capacidade para liderar a saída da crise, vai-se manter em mínimos devido ao endividamento das famílias". Actualmente, segundo a Funcas, o endividamento familiar está acima dos 110 por cento do seu rendimento.

O endividamento, a par do desemprego, limita o crescimento da economia espanhola. "Se a actual taxa de desemprego, de 20 por cento, se mantiver durante muito tempo, aumenta a erosão da qualidade dos activos não apenas das Caixas de Poupança mas também dos bancos, porque a economia espanhola é uma das mais "bancarizadas" da Europa", assegura o fundador de AFI. Já o governador do Banco de Espanha, Miguel Ángel Fernández Ordóñez, alertara para este binómio preocupante. Para o perigo de os bancos ficarem com o imobiliário à espera de encontrar comprador: a explosão da borbulha imobiliária criou um stock de mais de um milhão de casas e as que estão em fase de conclusão são em número superior às que se vendem. A oferta multiplica por muitos dígitos a procura.

Crédito em baixa


O que outrora foi motor do crescimento económico e da criação de emprego, ainda que pouco especializado, tornou-se num obstáculo à recuperação. Com estas condicionantes, Maria Jesus Fernández tem uma certeza: "O crédito vai continuar em baixa". Se é assim no caso da habitação, a principal compra de um cidadão, também o é, por outros motivos, noutros sectores. O fim das ajudas do Estado não favorece a troca de automóvel e as entidades financeiras são mais que prudentes na concessão de créditos ao consumo. O consumo privado continuará anémico. "Há que esperar pelo crescimento da procura no resto da Europa para ver se em 2011 se pode criar emprego líquido", diz, resignado, Emílio Ontiveros. A expectativa é de desemprego, racionamento do crédito, queda do PIB e do investimento. Sem as alegrias de consumo de outros anos.