Por Alexandra Campos, in Jornal Público
Proposta de lei comunitária que permitirá a cidadãos tratar-se noutro país da UE vai ser debatida amanhã, no Luxemburgo. Resta saber se desta vez haverá acordo político
A proposta de directiva comunitária sobre cuidados de saúde transfronteiriços, que Portugal ajudou a bloquear em Dezembro passado, tem condições para ser aprovada até ao final deste ano, acredita Isabel de La Mata, conselheira principal da Direcção-Geral da Saúde e Protecção dos Consumidores da Comissão Europeia.
Amanhã, uma nova versão desta proposta - que visa criar uma União Europeia de "doentes sem fronteiras" - vai ser debatida no Conselho do Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores, no Luxemburgo.
Se se chegar a acordo político, os 27 países podem de seguida negociar um texto comum com o Parlamento Europeu. "É possível que agora a proposta evolua rapidamente, se as anteriores divergências forem ultrapassadas", admite a eurodeputada socialista Edite Estrela.
É de recordar que a controversa proposta não reuniu consenso na reunião de ministros da Saúde dos Vinte e Sete, em Dezembro do ano passado, com Portugal e Espanha a liderarem o grupo de países que defenderam que ainda não estavam reunidas as condições para a aplicação desta nova lei comunitária.
Agora, o cenário mudou. "Pedimos uma autorização para fazer uma declaração ao Conselho para poder continuar a discutir [a matéria] no Parlamento Europeu", explicou Isabel de La Mata ao PÚBLICO, à margem do 1.º Congresso Europeu de Hospitalização Privada, que reuniu dirigentes do sector da saúde, no final de Maio, em Paris.
Aspectos polémicos
A nova proposta sobre mobilidade dos doentes altera alguns dos aspectos mais polémicos, como a definição dos países que devem suportar os custos dos tratamentos dos cidadãos residentes noutros Estados-membros.
Espanha e Portugal opuseram-se à norma de reembolso prevista na versão inicial, alegando que poderia representar uma sobrecarga insustentável para os respectivos serviços nacionais de saúde. Na nova versão, se um pensionista que resida em Portugal decidir ir ao seu país de origem tratar-se, será este último a pagar a factura.
Outra questão polémica prendia-se com a obrigatoriedade de obtenção de uma autorização prévia do sistema de saúde do país de origem, o que agora está previsto para tratamentos que impliquem o internamento durante pelo menos uma noite ou a utilização de material médico de "alta tecnologia".
A proposta prevê ainda que os doentes possam deslocar-se a qualquer Estado-membro para serem tratados, e posteriormente são reembolsados - com base no custo do tratamento no país de origem. Uma possibilidade que privilegia os mais ricos, uma vez que estes têm mais possibilidades para puderem suportar viagens e outras despesas, alegam os mais críticos.
Para a União Europeia de Hospitalização Privada (UEHP), a federação profissional que representa unidades de saúde do sector privado em 16 países, a aprovação desta directiva é uma velha aspiração, porque implica o reconhecimento do direito de um cidadão escolher o local onde se quer tratar.
No congresso de Paris, foram recordados vários acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias segundo os quais os doentes têm o direito de procurar tratamento noutro Estado-membro, quando confrontados com atrasos indevidos nos seus países, desde que o custo seja comparável.
Mas, numa altura de crise e de pressão sobre os orçamentos da saúde, o que a hospitalização privada pretende é pressionar as autoridades para a abertura a novos modelos. "Queremos dizer que podemos e sabemos fazer e que precisam de nós", declarou Max Ponsillé, presidente da UEHP.
A federação profissional tenciona avançar com uma proposta de lei de iniciativa popular para que o sector seja financiado à semelhança do público. Uma iniciativa destas implica que seja reunido um milhão de assinaturas.
Actualmente, o sector privado já representa uma parte significativa dos cuidados de saúde hospitalares na UE, com uma média de quase um quarto (24 por cento) do total das camas de agudos existentes. Nos maiores países, esta percentagem é muito superior.