por Luís Godinho e Ilídia Pinto, in Diário de Notícias
Quando foram chamados pela administração da RTS, no final de março, os 23 trabalhadores da empresa já esperavam o pior. E foi o que aconteceu. "Mandaram-nos para casa sem salário nem indemnização, apenas com um papel para o desemprego", conta João Vacas, um dos operários desta empresa alentejana de pré-fabricados de cimento cujas dificuldades se acentuaram com a crise da construção.
Casos como o da RTS são cada vez mais frequentes. Os dados da ACT mostram que existiam 22 825 trabalhadores com salários em atraso no final de 2012, contra 7166 do ano anterior. O número triplicou. Já as empresas com dívidas aos trabalhadores passaram de 62 para 1873 no acumulado dos dois anos - 30 vezes mais.
Construção civil, comércio e turismo são alguns dos sectores mais afetados. A CGTP estimava que, no final do ano passado, as dívidas aos trabalhadores que perderam o emprego por via de falências ou encerramentos ultrapassava os 316 milhões de euros e afetava mais de 43 mil pessoas. Números em que incluiu os 20 mil professores a que o Estado recusa pagar a “compensação por caducidade [do contrato de trabalho] prevista na lei”, apesar de já ter sido “condenado pelos tribunais 101 vezes. Em causa estão 20 milhões de euros, assegura.
Já a Segurança Social tinha mais de 31 mil processos pendentes ao Fundo de Garantia Salarial (que assegura o pagamento de salários em atraso), no final de 2012. Os créditos reclamados totalizavam 465 milhões de euros.
“É um problema gravíssimo, temos contas para pagar... Se não fosse a ajuda de familiares, nem chegava para a comida”, admite um outro ex-trabalhador da RTS. Já o Inspetor Geral do Trabalho, Pedro Pimenta Braz, assume a preocupação da ACT neste domínio, a par da sinistralidade laboral. “Um dos focos mais importantes da nossa atuação é contribuir para a redução de salários em atraso, o que é arriscado num momento como o que estamos a viver, mas a nossa atividade, se for bem feita, tem de ter consequências sociais”.
Pedro Pimenta Braz reconhece que há um crescimento exponencial no número de empresas faltosas e diz tratar-se de uma “originalidade” portuguesa que sempre existiu, embora sem a visibilidade atual.
“Uma empresa que não tem viabilidade não pode existir. Uma das piores coisas que pode haver é uma pessoa trabalhar e não receber. A parte mais fraca é sempre o trabalhador e isso não pode acontecer”, acrescenta Pimenta Braz, sublinhando tratar-se de uma “má prática empresarial” que tem persistido no país ao longo dos anos. “Há casos de responsabilidade objetiva dos empresários, outros que fogem ao seu domínio e que têm a ver com os custos de contexto. Em qualquer dos casos não deveriam existir, independentemente de a empresa estar ou não em crise”.
“Se falarmos com um empresário alemão e dissermos que existem salários em atraso em Portugal, ele fica algum tempo sem sequer perceber”, sublinha, defendendo a necessidade de uma “responsabilidade objetiva do tecido empresarial, do Estado e da sociedade para eliminar este problema”.
Nuno Gonçalves, do Sindicato dos Trabalhadores da Construção, diz que a realidade “é substancialmente pior” do que os números da ACT mostram, pois muitas destas pessoas acabam por ficar mesmo sem emprego. “Só no nosso sector perderam-se cerca de 350 mil postos de trabalho em quatro anos”, lembra.
CASOS:
Conforlimpa
Os trabalhadores fizeram greve para exigir o pagamento de salários que, emalguns casos, estão em atraso há quatro meses. A empresa, com 7200 operários, pediu a insolvência no início de março. “Há pessoas que já estão a passar fome”, denuncia o sindicato.
AEP
Os 200 funcionários da Associação Empresarial de Portugal tiveram os salários de fevereiro e março em dívida. A AEP assinou, entretanto, um acordo extrajudicial de recuperação financeira com os principais credores e já regularizou a situação.
Sporting
Dois meses foi o tempo que o plantel esteve sem receber salário, devido às dificuldades do clube. Um acordo com a banca permitiu, esta semana, libertar verbas para acertar contas com os jogadores e evitar rescisões.