Por Pedro Rainho, in iOnline
O “embaixador” do programa Impulso Jovem confessa que a polémica à sua volta já deixou a mãe em lágrimas, mas não desiste
Miguel Gonçalves, a escolha do governo para “embaixador” do programa Impulso Jovem (IJ), não tem medo de ser polémico. A prová-lo, a afirmação de que há de-sempregados que não trabalham porque não querem. Durante quase uma hora de entrevista, de Braga, via skype, por duas vezes Miguel Gonçalves vira o portátil para mostrar a equipa com quem trabalha diariamente na empresa que fundou há dois anos, Spark. O discurso sai à velocidade do pensamento. A mesma velocidade com que Miguel Relvas, que o convidou para o cargo, desapareceu do governo.
Ainda é “embaixador” do programa Impulso Jovem?
Sim, mantenho esse trabalho e estou a apresentá-lo às universidades. Esta semana já estive com quase 500 pessoas a apresentar o programa.
Estava à espera da saída do ministro Miguel Relvas do governo apenas uns dias depois de o ter convidado para esse cargo?
Não estava nada à espera, não sabia. Foi uma situação estranha, desconfortável. Tudo o que é política, não percebo muito e foi um bocado imperceptível, no início.
O que o levou a aceitar o cargo?
A nossa empresa está ligada a este ramo de actuação e temos feito isto com muitas centenas de pessoas, muitas oportunidades de trabalho criadas. Esta oportunidade pareceu-me evidente para fazer chegar a mensagem e o programa ao mercado. Aquilo tem um potencial transformativo muito grande e não estava a ser capitalizado.
Disse que o IJ era uma ferramenta para mudar Portugal. Em que sentido?
Este programa tem um valor muito significativo para permitir a quase 100 mil jovens entrar no mercado de trabalho. Muda a vida deles, muda a vida das famílias deles e muda a vida das empresas para onde forem trabalhar. E, ainda por cima, o valor que está disponível vem de fundos comunitários. Se nós não investirmos o dinheiro, temos de o devolver.
Olhando para os mais de 10 mil candidatos, o que pensa de esta ser a única forma para entrarem no mercado de trabalho?
Essa não é a leitura certa.
Que leitura faz?
Há duas leituras fortes que podem ser discutidas. Ponto número um: parece- -me grave que, existindo 161 mil jovens no desemprego, só 10 mil se tenham inscrito. O programa claramente não chega ao mercado, às empresas e aos jovens.
Não está a ser comunicado?
Começou a ser comunicado há pouco tempo. Ponto número dois: o que isto nos diz não é que estes jovens têm de se inscrever nisto para alavancarem a sua carreira. É a mesma coisa que ir aos saldos. Não é por um artigo estar em saldos que faz dele um melhor artigo. É o mesmo, só que naquela época específica, por um conjunto de condições, é mais barato comprar aquele produto. Aqui é exactamente a mesma coisa. Isto é uma vantagem muito forte para empresas, porque tem benefícios financeiros enormíssimos.
Que percentagem de jovens vai continuar nas empresas, no fim do estágio?
O programa não termina aqui. Supõe que eu tenho um estágio no i durante um ano. Vou ter um salário, o i vai pagar--me apenas a TSU. O que vai acontecer depois do estágio, se o i gostar do meu trabalho, é que vai ter apoios à minha contratação. Ou seja, não é uma coisa que se circunscreve àqueles 12 meses, tem continuidade depois.
E no fim do estágio, quantos ficam?
Seria astrologia, estar a falar sobre isso. Mas nem que sejam, ao limite, 50%, já é uma coisa com potencial transformativo. A grande oportunidade do IJ - e é isto que estou a transmitir ao mercado - é que tens a possibilidade de ir para uma empresa, durante um ano.
Isso não é uma perversão do mercado? Ter pessoas a preço de saldo a desempenhar funções que são necessárias à empresa.
Há aqui um conjunto de questões, sobre se isto são ou não almofadas sociais, se isto é ou não perverso. Isso seria outra discussão que nos levaria para sítios imprevistos. O que me importa, neste momento, é que isto existe, está em cima da mesa, podemos trabalhar com o programa, mudar a vida destes jovens e destas empresas. Parece-me interessante pensar que aquilo que temos neste momento é isto, um programa que tem benefícios fortes e extraordinários. Porque não capitalizá-los? Apenas porque não resolve os problemas todos?
E se resolver problemas só a prazo?
Se 50% daquelas pessoas que vão fazer programas de trabalho ficarem e tiverem oportunidade de continuar naquelas organizações, aqueles 50 mudam de vida, e os outros 50 que não ficam estiveram um ano a trabalhar. Sabes que, às vezes, quando se fala de desemprego e de carreira, uma das coisas que não se discute é que há um problema grave em não trabalhar, que não é apenas não ganhar dinheiro.
Que problema é?
O custo de oportunidade que representa tu estares parado sem de-senvolver competências, sem ir ao mercado, sem aprender com pessoas mais experientes do que tu...
Tem contactado diariamente com jovens. Que estados de espírito lhe têm chegado?
Uma das coisas que me parece evidente é que há demasiados mitos. Há muitas pessoas que deixam de correlacionar esforço com retorno. Há muitos jovens nas universidades que acreditam que em Portugal não há oportunidades de trabalho, que não vale a pena estudar porque depois os licenciados estão desempregados. Isto é absolutamente mentira, um mito. Todos os dias há muito trabalho disponível no mercado, há muitas empresas que semanalmente entram em contacto comigo porque estão fartas de procurar e não encontram pessoas boas.
A realidade empresarial que conhece não poderá ser a face boa do negócio?
Tenho muita dificuldade em acreditar que alguém em Portugal tenha um know--how empírico tão vasto daquilo que temos vindo a desenvolver. São mesmo muitas.
E em todos os casos ficou com a ideia de que o esforço compensa?
Neste dois anos trabalhámos intimamente com 700 empresas e eu tenho visto um bocado de tudo. Empresas que abdicam do que têm para partilhar com os colaboradores, até empresas que não tratam o melhor que podem os seus colaboradores.
E qual é a regra?
É um mito absoluto de que as empresas são monstros que exploram pessoas. Isto é de quem não conhece minimamente o mercado, de quem não está no mercado, de quem conhece uma fatia de mercado muito pequena. Tenho experiências absolutamente ímpares sobre o que é criar boas culturas nas empresas e tratar bem os colaboradores, conheço muitos casos desses.
Mas admite que há muita gente que bate a várias portas e não consegue arranjar emprego?
É como digo: não chega. Bateres à porta de cinco ou seis empresas e ouvires um “não queremos trabalhar contigo” não chega. Deviam ser cinco ou seis por dia. É um mito muito grande as pessoas dizerem que não há trabalho.
Um mito?
Há um bom motivo para esse mito: a maior parte do que está disponível no mercado não está anunciado. Nos Estados Unidos, 60 a 80% do trabalho não chega a anúncios. Em Portugal não tenho estatísticas, mas estimo que seja qualquer coisa desse género. É muito caro para uma empresa criar um anúncio. Eu vou lançar um anúncio agora e, se calhar, vou ter 600 ou 700 candidaturas. E agora tenho de pegar nessas candidaturas, no CV, escolher 20 pessoas para chamar a uma entrevista. Isto é obsceno.
Resolver os 40% de desemprego jovem passa por as pessoas levantarem-se e irem bater mais às portas?
A primeira coisa a perceber é que as empresas, ponto um, não são todas iguais. Trabalhamos num país em que 64% das empresas só têm quatro pessoas, 87% não têm mais que nove. Ou seja, a esmagadora maioria do teu tecido empresarial é constituída por pequenas empresas, com menos de nove pessoas. Às vezes, acho que as pessoas cometem o erro de miopia, de pensar que o desemprego é todo igual. Não é. Nós temos identificados os principais motivos pelos quais as pessoas estão desempregadas.
Quais são?
O primeiro é o de pessoas que não pensam bem o mercado, que têm um erro de análise tremendo. São pessoas de direitos que se esquecem dos seus deveres e esperam que as empresas as convidem a juntar a elas. Estão permanentemente à espera que os outros lhes resolvam o problema. Isto acontece, não é um mito, é real. Tenho a caixa de correio cheia de exemplos destes. Depois, tens pessoas que se formaram numa área que neste momento desapareceu. Supõe, engenheiros civis, professores de português-alemão, professores de história. Pessoas que vendem um produto no mercado e que não têm absorção. Estás a vender uma televisão a preto e branco quando o mercado compra televisões a cores.
E nesses casos, qual é a solução?
Há três soluções muito simples. Ou vais vender aquilo que actualmente vendes noutro sítio. Ou começas a vender outra coisa. Ou melhoras a forma como vendes. Não há mais.
Quais são os outros motivos para o desemprego?
Haver pessoas que não vendem o produto que o mercado compra. Tu és jornalista no i, tens não sei quantos anos de experiência. Mas uma coisa que deves sentir, agora que trabalhas há algum tempo, é que não é por teres um curso de jornalismo que és jornalista. Não é por uma pessoa acabar um curso de gestão que é gestor de empresas.
Que valor tem o canudo?
Representa uma ferramenta. O que tens de fazer é continuar a adicionar valor ao produto que já tens, ao que já desenvolves, até o mercado te pagar o que aches ser suficiente. Acabaste agora uma licenciatura em gestão, vais ter de trabalhar até seres gestor. É o mesmo que ir a um stand de automóveis e ter um carro perfeito que não tem as rodas de trás. Garanto-te que não compras.
E para quem esteja no desemprego aos 40 anos?
Um senhor de 45 anos que trabalhou 25 anos na banca. Só conhece a banca, só trabalhou na banca. Recusa-se a trabalhar em qualquer outro mercado. O que sugiro a essa pessoa é que, ponto número um, consiga perceber de que forma as suas competências podem ser aproveitadas noutro mercado ou, ponto número dois, e porque ainda tem 20 anos de trabalho pela frente, aprenda a fazer outra coisa. E isto não é facilitismo. As pessoas confundem muitas vezes simplicidade com facilitismo. Uma coisa é ser simples tomar a decisão. Ou quero, ou não quero. É simples. Outra coisa é ser fácil executar a tua decisão.
Ao ouvi-lo, fica a sensação de que o desemprego é um problema individual e não estrutural.
Não é isso que eu considero. É exactamente o oposto. Não considero que o problema é teu, considero que a solução é tua. É muito diferente. Eu não considero que o problema do desemprego é dos desempregados, estou a dizer é que a solução para o desemprego é dos desempregados. Essa é que é a grande diferença. E, se calhar, pode chocar dizer isto, mas muitos dos que estão desempregados, estão desempregados porque, ponto número um, não querem trabalhar e, ponto número dois, são maus a fazê-lo.
Isso também é uma generalização.
Pois é, mas eu tenho uma pasta na minha caixa de correio que tem muitas dezenas de emails de pessoas que, se continuarem com aquele comportamento, nunca vão entrar no mercado.
Que comportamento?
Recebes um email de uma caixa de correio que se chama xanitaloirinha79 @hotmail.com. O assunto é “FW: candidatura espontânea”, com x. um email cheio de erros ortográficos. Tu queres trabalhar com esta pessoa? Às vezes, as pessoas pensam que os desempregados são pessoas extraordinariamente focadas, profissionais, rigorosas, cheias de fibra, de atitude e competência. Não são. É mentira.
É por isso que não compreende os protestos de rua?
Eu compreendo os protestos de muitas pessoas. Não compreendo é os protestos de quem não é suficientemente bom, recusa-se a tornar-se bom e pensa que é responsabilidade dos outros elas tornarem-se boas. De repente, sempre que falamos de desemprego, parece que nos esquecemos dos fenómenos das pessoas que vão às empresas pedir para carimbar no IEFP. Essas pessoas existem e são as milhares. Agora, se me disseres que há aqui uma fraude, há. Tu entras no sistema pedagógico dos três aos 23. Estudaste 20 anos, acabaste o curso e agora não consegues pegar num telefone e marcar uma reunião. Há qualquer coisa de terrivelmente perverso nisto.
Esse é um problema cultural.
Cultural, pedagógico, se calhar familiar, social - a todos os níveis. Não se justifica que uma pessoa de 23 anos não tenha trabalho. Eu não aceito isso. Percebo que as pessoas olhem para mim e digam: “Este tipo não é sensato. Está a dizer que os desempregados estão sem trabalho porque querem”. Não é isso que eu digo. Digo que muitos estão desempregados porque querem, outros porque não querem trabalhar, outros porque não sabem o que é preciso para trabalhar, outros porque têm muito talento mas não sabem mostrar ao mercado que têm talento.
E o que pensam os jovens disto?
Nas universidades, o que vês é que as pessoas estão com muito medo, porque vêem demasiada televisão.
O que significa isso?
Que as pessoas estão com medo porque pensam que não há trabalho. É mentira, há muito trabalho disponível.
Há quem olhe para a sua mensagem e considere que simplifica demasiado os problemas.
A melhor maneira de chegar a uma solução é simplificá-la. Se não simplificas o teu problema, estás a hiperbolizar a solução.
Tem viajado por diversos países. Esta mentalidade de que fala é tipicamente portuguesa?
Há uns anos, fizemos uma volta pela Europa, fomos a 30 cidades europeias, fazer couchsurf e conhecer pessoas da nossa idade. Aos 17, um tipo na Inglaterra está a sair de casa. Em Portugal, incorrendo numa generalização abusiva, há muita gente de 25, 30 anos a viver com os pais. Há muitos estudantes que chegam à sexta-feira a casa, atiram a mala para o chão e agora a mãe que lave. Isto é de tolos.
Tiveste uma educação rígida. A mudança também passa por aí?
Claro. Tive, por um lado, a sorte de ter um pai muito duro. Sempre me disse “queres, compra”.
Não te dava o dinheiro, é isso?
Não. “Trabalha, desenrasca-te”. Eu comecei a trabalhar muito cedo. Habituei-me a ter os meus projectos e a ganhar o meu dinheiro. Quando fui para a faculdade paguei as minhas propinas, apesar de durante um ano ter tido uma bolsa de cento e poucos euros. Parece que caiu o Carmo e a Trindade quando disse que as pessoas, mais que não seja, têm de vender pipocas. Estou cheio de gente que com 19 anos serviu à mesa e hoje são CEO e fundadores de grandes empresas. Uma pessoa de 20 anos que nunca trabalhou vai ter problemas graves na vida.
O que o leva a dizer que os trabalhadores têm demasiados direitos?
Tenho a Dinamarca. Que idade tens?
Vinte e seis.
Um tipo da tua idade, da minha idade, na Dinamarca, quando vai para uma empresa, não é contratado para trabalhar 11 meses e ganhar 14. Muitos deles são convidados a criar a sua própria empresa. E prestam um serviço. Enquanto for bom, é bom. Quando deixar de ser bom, vai para outro sítio. Nos Estados Unidos funciona de uma forma mais ou menos parecida. Contracts at will, significa que eu trabalho nesta empresa enquanto tiver vontade.
Não é legítimo que se construa uma carreira com direito a fins-de-semana e a horários definidos?
Não é legítimo que a Blockbuster tenha fechado, depois de tantos anos no mercado? Não é justo que eles ficassem abertos?
O facto de se estar naquelas condições não significa que se é menos profissional.
Eu não estou a dizer isso, nem pressuponho isso.
Mas associa a ideia a um certo conformismo.
Eu trabalho ao ritmo que trabalho e as horas todas que trabalho por dia, sete dias por semana, porque é uma opção minha, com os desafios e exigências que se colocam para erguer uma pessoa, num país que tem contribuições brutas e grossas como este, e num país que tem este ambiente económico tão comprimido. Ou eu trabalho a este ritmo, ou não posso ter uma empresa com 12 pessoas. Nem toda a gente tem de fazer isso. Mas quem trabalha pouco não pode querer a mesma coisa de quem trabalha muito. Esse é que é o problema. E sim, as pessoas precisam de fins-de-semana e de equilíbrio. O segredo não é trabalhar muito, é trabalhar bem. Mas se trabalhas muito e bem, é uma combinação muito competitiva.
Já chegou a pensar: “Este país não é para mim”?
Sim, ainda agora. Passamos o tempo a dizer que Portugal é gerido por maus políticos e pessoas sem escrúpulos e corruptas. Não sei se é ou se não é. Falo por mim, sei os motivos pelos quais estou a fazer isto, decidi não ser pago para manter a minha absoluta e integral independência, porque o meu cliente é o meu país, não é o governo. Prefiro manter a minha independência e poder dizer o que penso do governo, porque se fosse pago não o poderia fazer. Foi uma opção minha. Andas a trabalhar com esta intensidade há tanto tempo para criar tantas centenas de postos de trabalho, de borla, e, depois, são precisamente esses tipos que me partem as pernas todas. Chegas a casa e tens a tua mãe daquela forma, em lágrimas. Dá vontade de dizer que não estou para isto.
Não tem sentido gratidão pelo trabalho?
Há muita gente a insurgir-se contra e, eles sim, estão a simplificar o discurso. Do outro lado também está a bipolarizar e está a reunir-se uma tribo de pessoas que nos conhece, os nossos clientes e parceiros, que nos estão a manifestar muito apoio. Porque esses conhecem-nos, esses já trabalharam connosco. Sabem que somos obsessivos. Mas tu pensas: “Eu vou estar aqui sujeito a isto, para quê? Porque é que não vou trabalhar para Silicon Valey?”. Estive lá há um mês e tive propostas de trabalho.
Porque é que continua por cá?
Aconteceu uma coisa curiosa. Esta cólera toda e esta reacção tão adversa, tão negativa das pessoas está-me a redobrar o sentimento de missão. Porque se as pessoas, com base em tão pouco, deduzem tão mal, se calhar a gravidade do problema é ainda maior. E eu percebo as pessoas, que elas estejam revoltadas e tristes e desiludidas. Não percebo quem não quer trabalhar. E para esses, digo- -te, não tenho paciência nenhuma. Não tenho problemas nenhuns em dizer que há muita gente em Portugal que não trabalha porque não quer, porque não sabe trabalhar ou porque não tem as competências necessárias. Não é um mito, é o que eu vejo e me transmitem todos os dias. Mas, ao mesmo tempo, também vejo muitos que vão curar o cancro, há muitos que vão competir com o Google.