11.4.13

Luís Villas-Boas. “É preciso acender a luz do túnel”

Por Marta F. Reis, in iOnline

Psicólogo defende mudança nas respostas às crianças em perigo e alerta que ainda não houve medidas de fundo depois do caso Casa Pia

Capitão de Abril, psicólogo e director do Refúgio Aboim Ascensão, é um dos oradores do III Fórum Internacional de Psicologia Clínica, que arranca hoje em Lisboa. Falará dos traumas. Sublimar é a palavra de ordem.

Como é que a psicologia é útil aos traumas infantis?

Agindo de forma intensiva. Há trauma destruidor, mas há trauma que é supostamente isso mas não é. Tive uma criança que entrou aqui cosida na vagina. Agarrei-a e ela cravou-me os dentes no pescoço. Viu em mim alguém parecido com quem lhe fez mal. Saiu daqui três anos depois, sem medo dos homens. A psicologia que se aprende na faculdade dá-nos bases, mas como é que se recupera uma criança violada com dois anos? Com psicologia, mas acima de tudo com uma resposta multidisciplinar 24 horas por dia.

Metemos os traumas debaixo do tapete?

Somos um país onde isso acontece, mas onde também há bons exemplos de que é possível tratá-los. O problema é de paradigma. Precisamos de dizer “o rei vai nu”.

Que rei?

O Estado em geral, que vê crianças em perigo e não actua. Que alimenta instituições que se dizem da criança e nunca viram uma criança na vida. E que mantém um modelo de depósito de crianças.

A curar traumas vai apagando os seus?

Os meus traumas estão resolvidos. Voltei de Angola com uma gangrena vírica. Fiquei com um problema de circulação e, embora não possa andar muito a pé, estou bem. Mas não posso pensar nos 200 km a pé na selva, a levar e a dar tiros. Sublimei. É essa a palavra em psicologia. Fi-lo e é isso que procuramos fazer com estas crianças. Sublimei ao pôr o que herdei em acção.

Os portugueses sabem sublimar?

Os portugueses têm duas características importantíssimas: uma profunda disponibilidade para ajudar o outro e gostar de que o tratem bem. O esforço que fazem para ter esse reconhecimento, às vezes, leva quase à submissão. Tem de se passar a exigir que a sociedade os estimule e premeie em vida.

Conseguir a sua revolução na resposta de emergência infantil superaria Abril?

Nada apaga Abril. Independentemente de termos aberto as portas da liberdade e da democracia, acabou-se com uma guerra fratricida. Só isso, justificaria Abril. Depois, os capitães não eram políticos. Quando se abriram as portas da liberdade, não estavam preparados. Houve quem agarrasse a política. Uns óptimos, outros péssimos, que ainda por aí andam.

O que nos trouxe até hoje?

O que há hoje é uma geração que cresceu depois de Abril e já tem 40 e 50 anos. Falar de Abril com ela é como falar de D. Afonso Henriques. Hoje, no parlamento, não se encontra ninguém que tenha feito serviço em África. Não há ninguém que tenha estado na guerra, tirando o Presidente da República.

E vê essa marca em Cavaco Silva?

Não vou criticá-lo. O que posso dizer é que quem esteve na guerra tinha outra compreensão. Entendia melhor o sofrimento. A nova geração tem outro passado. Há uma série de caminhos de equilíbrio e conciliação entre detectar o que está mal e corrigir que poucos são capazes de agilizar, para não falar dos saudosistas.

O que não é o seu caso?

Sou um saudosista, mas que diz que é preciso mudar os direitos das crianças. A nova geração que conhece o mundo, as novas tecnologias, é que tem de perceber como o faremos. Acredito que a geração nova vai conseguir dar a volta ao texto. Não importa a cor que o vai conseguir. Há uma matriz portuguesa de superação que pode ser rentabilizada. Só que nós não podemos ser óptimos no Luxemburgo e péssimos cá dentro.

Porque somos óptimos no Luxemburgo?

Porque há ambiente estimulador, meios disponíveis, e há um prémio visível, um futuro visível. Aqui há uma espécie de túnel sem luz.É preciso acender a luz.

Que prescrição faz ao país?

Recomendaria que se lutasse por uma unidade nacional. A dolência colectiva dos últimos dois ou três anos deveria ser suficiente para unir o país.

E não é isso que vemos na rua?

O que vemos na rua são manifestações contra. Do que precisamos é de um braço dado nacional, de um desígnio comum.

O caso Casa Pia abalou o trabalho que se faz com crianças separadas das famílias?

Julgo que não. Mas alertou Portugal para um drama, para um sistema absolutamente cristalizado onde tudo era permitido.

O Estado está mais capaz de fiscalizar?

Do que sei, não há reporte de situações novas. Mas o Estado está anestesiado, pois medidas de fundo não existem. No Refúgio lidamos com crianças o mínimo de tempo possível. Enquanto houver instituições que lidam com crianças por muitos anos, há riscos.

Ficou surpreendido com a nomeação deste governo para liderar o grupo de trabalho sobre a agenda da criança?

Conheço o secretário de Estado Marco António e sei que é um homem de um profundo humanismo, assim como o ministro Pedro Mota Soares. Surgiu o convite, que aceitei. Já fizemos a proposta de serem criadas duas comissões, para propor alterações aos modelos de protecção e acolhimento de crianças.

É militante do CDS?

Sou militante do PSD. Inscrevi-me em 86 e saí em 92. Voltei há três anos quando Passos Coelho se recandidatou. Acreditava que faria um bom trabalho.

Ainda acredita?

Acredito que é um homem sério que sente o sofrimento das pessoas e que dá o seu melhor.

Há algum “mas”?

Não há nenhum “mas”.

Revê-se nos apelos a uma nova revolução?

Falta Abril, mas não com armas. Desejo a revolução num sentido pacífico, de aceitação do outro e de mudança.