in EIMontepio
Os intervenientes da Economia Social partilham as suas sugestões para que as organizações se posicionem entre as instituições sustentáveis.
A sustentabilidade financeira é fundamental para qualquer organização. Aliás, gerir de forma profissional os recursos das organizações do setor social é um dos trunfos para que as organizações entrem na rota da autossustentabilidade.
O Ei contactou alguns líderes de organizações da Economia Social para recolher pistas para esse percurso, que deve ser feito em rede, em parceria e com base nas melhores práticas da gestão. Será que a sua instituição precisa de recorrer a voluntários para o ajudar a preparar a estratégia da sua organização? Será que está a comunicar, com eficácia, a sua missão e ação? Conheça as propostas que os intervenientes indicam para proteger financeiramente os seus projetos. Conheça as respostas à questão: "Que conselho daria às organizações do Terceiro Setor para que entrem na rota da autossustentabilidade financeira, garantindo assim o futuro?"
“Para conseguir assegurar a sustentabilidade financeira de uma organização tudo tem que ser visto como um todo”
Cláudia Pedra
Coordenadora Técnica da Bolsa de Valores Sociais (BVS)
Para a sustentabilidade financeira de uma organização é essencial garantir fontes de financiamento diversificadas, o que permite à organização ter autonomia e independência face ao seu financiador.
É essencial que os financiamentos sejam adaptados à organização - os financiadores e as organizações devem partilhar valores e objetivos. Não faz sentido uma organização da área do Ambiente ser apoiada por uma entidade poluente.
As entidades devem encarar todos os financiadores como parceiros. Devem beneficiar-se mutuamente. A organização recebe do financiador mas deve encontrar forma de dar algo em troca desse investimento.
As organizações devem ainda escolher entre centenas de formas de angariação de fundos, de maneira não indiscriminada. Não se deve ir atrás do financiamento e afastar-se da missão e visão. Deve ser feito um bom diagnóstico de quais são as técnicas de angariação de fundos que funcionam para a organização e aplicá-las de forma estratégica e com prioridades.
Além disso, tem que haver um equilíbrio:
Recorde-se, ainda, que existem projetos que, por si só, não são autossustentáveis (por exemplo tratamento de pessoas sem posses). É preciso desmistificar essa questão. A organização tem que ser sustentável para fazer face aos projetos que são autossustentáveis e aos que não são.
A angariação de fundos não pode ser vista de forma isolada: isso é o princípio do fim da sustentabilidade. Só angariar dinheiro não resolve o problema das instituições. É preciso fazer uma boa gestão financeira, ter uma boa comunicação, saber dar aos financiadores, em termos de transparência e accountability, tudo o que pediram, e saber fidelizá-los. Tudo tem que ser visto como um todo. E assim consegue-se assegurar a sustentabilidade financeira de uma organização.
“Autossustentabilidade financeira como caminho de futuro para as organizações”
Patrícia Boura
Vice-presidente da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES)
Numa época tão marcada pela escassez de recursos financeiros, importa refletir sobre os caminhos para a sustentabilidade, no sentido de garantir a sobrevivência das entidades que caraterizam o setor social. Um setor importantíssimo no seu papel ativo na luta contra a pobreza, contra o desemprego, bem como na resolução de outros problemas sociais.
O primeiro dos tópicos pode parecer um cliché mas, na realidade, é ainda pouco praticado: o trabalho em rede. As organizações precisam de potenciar o seu trabalho em rede, desde logo pelas sinergias que se geram pela abertura da organização ao exterior e ao trabalho entre pares, partilhando informação e recursos. A informação partilhada e trabalhada em conjunto transforma-se mais facilmente em conhecimento.
A partilha de recursos consubstancia-se não só numa poupança efetiva de dinheiro como aumenta a produtividade das organizações, através do alargamento da rede de contactos e do acesso a informações.
Depois, importa perceber qual o melhor modelo de financiamento para cada organização. Cada uma tem as suas especificidades, pelo que não existe um modelo de financiamento adequado a todas as organizações. Existem várias tipologias e cada organização deverá encontrar a que melhor se adapta ao seu posicionamento. Pode ir do apoio do Estado a mecenas privados, ao cidadão em geral através de campanhas de donativos, a uma grande marca, à venda de bens e serviços ou a um misto de todas estas opções. A Stanford Social Innovation Review publicou um artigo sobre os 10 modelos de financiamento possíveis para as entidades deste setor que se mantém muito atual e que dá linhas de orientação interessantes.
Por fim, é cada vez mais importante avaliar o impacto social do projeto, para fazer os ajustamentos necessários ao longo do processo e permitir demonstrar aos investidores sociais (sejam públicos, privados ou a sociedade civil) a boa aplicação dos recursos captados no final da execução.
A avaliação deverá ser rigorosa e deverá ter em conta todos os stakeholders, só assim se conseguirá “fidelizar” os investidores sociais em projetos futuros.
Paralelamente e sem menos importância: a comunicação.
É fundamental que se comuniquem os resultados. Atualmente podemos comunicar muito facilmente sem comprometer os custos operacionais. As redes sociais são poderosíssimas e têm um efeito alavancador na comunicação. Usemo-las.
“A sustentabilidade do que quer que seja residirá e dependerá sempre do valor e qualidade de reais comunidades humanas”
Henrique Pinto
Diretor-executivo, CAIS
É verdade que o sentido de comunidade humana não se perdeu. À luz dele, muitas comunidades se construíram e ainda hoje persistem, espalhadas pela superfície da terra, numa corajosa resistência a um feroz individualismo ou a uma existência que se deseja imune à relação com outros.
Mas cabe-me o dever de afirmar e defender que a sustentabilidade das organizações está sobretudo nas comunidades, dependendo delas. As dificuldades, nomeadamente a da sua viabilidade e permanência no tempo, surgem porque são inúmeros os lugares onde as comunidades (e um particular sentido de pertença a um grupo humano) deixaram de ser, infelizmente, uma realidade no terreno.
As organizações existem para responder a reais necessidades das comunidades. Por isso, delas devem nascer, por elas devem ser geridas e a elas devem voltar constantemente, numa transparente apresentação de resultados, onde fraquezas e forças se medem, resolvem e abraçam.
A ligação ao Estado, concretizada geralmente através de acordos de cooperação, é importante enquanto continuar a ser dever do Estado garantir e proporcionar mínimos razoáveis de bem-estar a todos, sem exceção. No entanto, entre 70 a 80% das receitas necessárias ao funcionamento de cada organização deve resultar sempre de fontes próprias, de negócios sociais, criados e alimentados pelas próprias comunidades.
A inovação, a criatividade e o empreendedorismo social de que tanto se fala em relação à atual crise, correm o risco de serem tiros avulsos, disparos de indivíduos soltos, desenraizados, se de facto não brotarem da vitalidade de uma comunidade. As dificuldades pelas quais passam hoje, em Portugal, dezenas de organizações devem-se, frequentemente, ao facto destas terem nascido sem relação alguma a comunidades reais.
A força de uma liderança carismática, visionária, inovadora e empreendedora será sempre importante à sustentabilidade de qualquer organização, mas esta tenderá a morrer, mais tarde ou mais cedo, se não existir alicerçada numa comunidade dinâmica, criativa, inclusiva e corajosa - tendo também esta que ser, necessariamente, parte de uma rede de comunidades, à escala global.
“Para ser sustentável, uma organização precisa de se reinventar”
Sandra Faria Araújo
Diretora-executiva, EAPN Portugal/Rede Europeia Anti-Pobreza
No cenário atual de aumento das situações de vulnerabilidade e das necessidades sociais é fundamental que as organizações do setor da ação social se afirmem enquanto espaço de transformação social, autónomo e articulado com os outros setores – mercado e Estado - e de garantia dos direitos sociais.
Apostar numa gestão coerente com os princípios e os valores do setor e com a missão de cada organização. Investir na qualificação dos recursos humanos - um dos recursos mais valiosos de qualquer estrutura organizacional -, permitindo a aquisição de conhecimentos e competências, o desenvolvimento da sua capacidade de análise e reflexão crítica, abertura e capacidade de adaptação à mudança.
Para ser sustentável, uma organização precisa, de forma constante, de se reinventar e de ter visão estratégica e criatividade, não concentrando toda a sua energia institucional nas atividades-fins. Creio que cabe às organizações iniciar uma fase nova de pensamento e de gestão: encantar-se com as descobertas de novos processos e com o mar de possibilidades na resolução das desigualdades e injustiças sociais. Isto significa estar atento para identificar oportunidades e explorar alianças estratégicas, até porque a ideia da inovação social parte do princípio colaborativo de que todos somos mais inteligentes que cada um, e são essas ideias que têm o potencial transformador da sociedade.
“Há que apostar na qualidade dos serviços prestados e na sua diversidade”
Helena Presas
Coordenadora de Voluntariado, Entrajuda
As instituições do setor social têm hoje que se repensar. Têm muitos desafios e algumas coisas que pareciam garantidas, já não o são. Há que apostar na qualidade dos serviços prestados e na sua diversidade e há que assegurar a sustentabilidade.
Estas organizações têm uma legislação própria que lhes permite garantir que as atividades secundárias da sua missão possam ser asseguradas por voluntários. Os voluntários acrescentam valor às instituições e são um elemento muito importante para a sua sustentabilidade financeira. O desafio é saber gerir os voluntários num equilíbrio de afetos que os comprometa e responsabilize. A recompensa é que as instituições poderão ter pessoas com formação e experiência diversificadas em busca de soluções inovadoras e mais abrangentes. A diversidade de saberes permite outros olhares sobre a realidade e, consequentemente, a possibilidade de trilhar novos caminhos, talvez até inesperados.
Em relação às atividades/serviços prestados, é importante que as organizações consigam ter em atenção as necessidades atuais da sociedade, como o envelhecimento, o desemprego, o apoio à família, e criem novas respostas para novos problemas. Podem assim levar a cabo a sua missão de forma mais ajustada à realidade atual e atingindo novos grupos de utentes.
Uma mais-valia importante, que permitiria às organizações do setor social ganharem escala, seria o estabelecimento do trabalho em rede, da cooperação e partilha de recursos com outras congéneres ou geograficamente próximas. As parcerias criam sinergias e ampliam a ação das partes, tornando-as mais eficientes e fortalecendo-as.
Importante é também investir na comunicação e na imagem: divulgar o que se faz e como se faz e ter em atenção uma comunicação transparente, permite criar relações de confiança e angariar mais voluntários e mais benfeitores que aderem à causa da instituição e a apoiam.
“Reconhecer, medir e reportar o desempenho”
Celina Gil
Coordenação da Rede Nacional de Responsabilidade Social das Organizações (Rede RSO PT), IAPMEI
Pretendemos que, durante 2013, as preocupações em assegurar a sustentabilidade financeira não afastem os agentes económicos das suas responsabilidades sociais e que as organizações pautem a sua atuação pelos princípios que comprometem as 252 entidades que hoje integram a Rede RSO PT. Esperamos que a atenção dada a um dos pilares da sustentabilidade não faça esquecer os restantes.
O conselho da Rede RSO PT não é específico para o setor social, nem somente para 2013, é uma recomendação para este ano e para os seguintes e teria sido da maior relevância nos transatos. O setor social, tal como o privado e o público, tem que ser capaz de reconhecer, de forma sistemática e rigorosa, medir e reportar os seus desempenhos.
O setor social precisa de recorrer a ferramentas e instrumentos de apoio à gestão para melhorar a sua capacidade de autodiagnóstico e desenvolver rigorosas análises estratégicas que permitam identificar áreas de potencial melhoria, de modo a, rapidamente, se ajustar às novas exigências. Só assim será possível encontrar as parcerias e estabelecer as redes fundamentais para assegurar a sustentabilidade e a persecução da sua missão.
“É fundamental implementar novos modelos de negócio”
Helena Gata
Diretora da TESE - Associação para o Desenvolvimento
Nas últimas cinco décadas, Portugal sofreu mudanças sociais a uma velocidade frenética, nunca antes registada. Entre 1960 e 2000, vários sistemas de funcionamento da sociedade se universalizaram, nomeadamente o sistema de ensino, através do qual se passou de uma taxa de analfabetismo de 40% para 8%; o sistema de saúde pública, que passou a ter uma cobertura nacional; o Estado de proteção social, que passou a garantir direitos mínimos para os mais fragilizados. O setor social foi também acompanhando e adaptando o tipo de respostas necessárias aos vários tipos de problemas e, de uma certa forma, tem conseguido adaptar e renovar as suas respostas para velhos e novos desafios.
No entanto, contrariamente ao que era esperado, as políticas sociais, tendencialmente menos dinâmicas, não têm sido capazes de antecipar as novas tendências sociais, mantendo claramente uma postura reativa, acionando respostas temporariamente curativas e/ou sedativas, num contexto onde prevalecem situações de urgência permanente.
É, portanto, crucial que as instituições do setor social passem a estabelecer um maior diálogo e relação com as entidades governamentais, mantendo sempre uma perspetiva crítica e inovadora, de forma a melhorar e influenciar as políticas públicas e a garantir uma maior articulação nos serviços que prestam à sociedade, muitas vezes complementares ou em substituição do Estado. Isto permitirá uma maior valorização e reconhecimento do trabalho das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e organizações não governamentais para o desenvolvimento (ONGD) que, por sua vez, trarão maior retorno financeiro para o desenvolvimento das suas atividades. É fundamental implementar novos modelos de negócio de forma a garantir uma maior sustentabilidade financeira, cada vez mais numa ótica de negócio social, rompendo assim com os modelos assistencialistas.
Outra falha grave do setor social prende-se com a gestão de recursos humanos, que tem uma elevada rotatividade. O único e maior património das ONGD e IPSS são as pessoas. É portanto fundamental cuidar bem deste património. Por fim, outra questão relacionada com a gestão de recursos humanos prende-se com as lideranças do setor social. É essencial garantir que as lideranças valorizam o património que estão a gerir e proporcionem um ambiente democrático dentro e fora das organizações, alicerçado num modelo de governo equilibrado, transparente e responsável.