10.4.13

A retórica e a realidade dos direitos do povo cigano

Helena Scott, jornalista da Unidade de Notícias da Amnistia Internacional, in Expresso

"É sobre a Europa. É sobre si". É este o slogan oficial que marca 2013 como o Ano Europeu dos Cidadãos. Mas, caso seja um dos seis milhões de ciganos da União Europeia, está desculpado se duvidar da abrangência de tal retórica.

Enquanto celebramos o Dia Internacional das Comunidades Ciganas, dia 8 de abril, uma das maiores minorias étnicas da Europa enfrenta um aumento generalizado da discriminação, violência racial, desalojamentos forçados e segregação. Mais de uma década depois das leis antidiscriminação da União Europeia serem adotadas, os estados membros estão a falhar na sua aplicação no combate à discriminação.

A Diretiva de Igualdade Racial da União Europeia (Diretiva 2000/43/CE) proíbe claramente a discriminação baseada na raça ou etnia numa variedade de áreas que incluem o acesso a bens e serviços, segurança social, saúde, habitação, emprego e educação. Mesmo assim, de acordo com o nosso novo briefing "Human rights here, Roma rights now", continuam a ser comuns políticas e práticas que discriminam as comunidades ciganas precisamente nestas áreas, nos estados membros da União Europeia. Até à data, a Comissão Europeia falhou em pressioná-los de forma eficaz.

No que diz respeito à habitação, a Amnistia Internacional e outras organizações documentaram desalojamentos forçados de comunidades ciganas em vários países da União Europeia, incluindo na Bulgária, Eslovénia, França, Grécia, Itália e Roménia. Comunidades e indivíduos de etnia cigana desalojados à força são frequentemente realojados em zonas residenciais segregadas, em alguns casos perto de locais poluídos ou em casas que não contemplam as condições básicas de habitação.

Muitas vezes incapazes de pagar as rendas do mercado de habitação privado, centenas de milhares de ciganos na Europa veem ser-lhes negadas outras opções, incluindo o acesso a habitação social. Há algumas semanas, por exemplo, autoridades municipais em Roma, Itália, afirmaram que pessoas ciganas a viverem em estabelecimentos informais não serão consideradas no acesso prioritário a habitação social porque já vivem numa "estrutura permanente".

Em termos de educação, dezenas de milhares de estudantes ciganos na Eslováquia, Grécia e República Checa frequentam escolas apenas para população cigana e instituições de ensino especial para estudantes portadores de "ligeira deficiência mental", onde têm acesso a um currículo reduzido. Quando perguntaram a Romi, uma criança cigana em Ostrava, na República Checa, porque não estava a aprender uma língua estrangeira tal como aconteceria numa escola normal, a sua resposta foi tão simples quanto mordaz: "Não somos crianças da escola primária, somos crianças da escola prática".

A União Europeia

Perante estas violações dos direitos humanos por parte dos estados membros da União Europeia, é difícil compreender porque é que a Comissão Europeia não atuou mais rápida e eficazmente.

O órgão executivo da União Europeia tem certamente poderes consideráveis para o fazer. Pode iniciar Procedimentos por Infração contra qualquer um dos 27 estados membros cujas políticas e práticas sejam contrárias ao Direito Comunitário, que inclui a Diretiva de Igualdade Racial.

Noutros campos do Direito Comunitário, a Comissão Europeia não é tão relutante em usar os seus poderes. De facto, abriu centenas de Procedimentos por Infração todos os anos por questões ambientais e tributação do mercado interno e transportes. Alguns Procedimentos chegam a visar falhas na transição da Diretiva de Igualdade Racial para as leis nacionais. Mesmo assim, até à data nenhum Procedimento foi levantado contra estados membros cujas políticas ou práticas sejam discriminatórias da etnia cigana ou de qualquer outro grupo étnico.

Ao absterem-se de tomar uma ação forte, as instituições europeias estão a falhar na responsabilização dos estados membros pela forma como tratam as pessoas de etnia cigana. Em 2010, por exemplo, a Comissão Europeia recuou relativamente à ameaça de abrir um Procedimento por Infração contra França, devido às suas políticas que afetam as comunidades ciganas com desalojamentos forçados e retorno aos seus países de origem. A 14 de março de 2013, o ministro do interior francês, Manuel Valls, confirmou publicamente que a medida para desalojar comunidades ciganas a viverem em estabelecimentos informais será levada a cabo, mas não clarificou como as salvaguardas contra desalojamentos forçados serão implementadas.

A Comissão Europeia deve começar a usar todos os instrumentos de que dispõe para acabar com as múltiplas formas de discriminação, racismo e outras violações dos direitos humanos sentidas pelas comunidades ciganas na Europa, incluindo a responsabilização dos estados membros por violarem a lei antidiscriminação da União Europeia.

A União Europeia orgulha-se de ser "fundada nos princípios de liberdade, democracia, respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais", mas a experiência diária de discriminação da etnia cigana mostra claramente que a União Europeia ainda tem de tornar estes princípios realidade para uma das maiores minorias étnicas europeias. "É sobre a Europa. É sobre si" deve ser uma realidade para toda a Europa, incluindo para a comunidade cigana.

A petição

A amnistia Internacional está a promover uma petição dirigida a Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia e à Comissária Europeia de Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania, Viviane Reding, pedindo que garantam que os Estados-membros cumprem a legislação anti discriminação e as normas de direitos humanos.