in Diário de Notícias
O diretor de projetos do Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), Ahmed Zaky, disse que a crise favorece um discurso de "demagogia barata" sobre a cooperação e a ajuda aos países pobres, gerando cortes sem critério que paralisam as organizações.
"Muitas vezes há uma demagogia política barata que atiça os ânimos contra setores como a cooperação e que é de vistas muito curtas e de curto prazo", disse Ahmed Zaki, em entrevista à agência Lusa a propósito de 25 anos de cooperação desta organização em São Tomé e Príncipe.
Para o diretor de projetos do IMVF, o raciocínio de que antes de ajudar os outros é preciso dar resposta às necessidades internas esconde muitas vezes "uma dimensão de crescimento económico" associada à ajuda aos países mais pobres.
Fundado em 1951, o instituto tem fortes ligações a São Tomé e Príncipe, país onde o primeiro Marquês de Valle Flôr fez fortuna no setor do cacau e onde na década de 1980 começou a ser implementado o programa "Saúde para Todos", um dos principais projetos da organização.
Ahmed Zaki defendeu que o dinheiro destinado à cooperação é um investimento com retorno garantido e aponta como exemplo o trabalho realizado em São Tomé e Príncipe, que é comparticipado pelo Estado português.
"As nossas missões conseguiram poupar ao Estado português em evacuações sanitárias mais de 1 milhão de euros por ano. Os produtos, as pessoas, os aviões, os meios de comunicação, todos os consumíveis são daqui, alimentam as empresas portuguesas e quanto mais sedimentamos esta relação mais estas empresas se lançam nesses mercados e conseguem crescer", sublinhou.
Ahmed Zaki defende que todos estes aspetos têm que ser tomados em conta quando se equaciona a cooperação e contesta uma política de cortes sem critério impostos pelos credores externos de Portugal e pelo imperativo de equilibrar as finanças públicas.
"Quando à cooperação é cortada em cerca de 75 por cento do seu orçamento, que já era escasso, [44 milhões que passaram para 12 milhões] estamos a inviabilizar a sustentabilidade das ações", disse.
"Entendo que pode não haver recursos internos para suportar um setor como a cooperação, mas isto é uma questão de estratégia e do caminho que o país quer seguir", prosseguiu, adiantando que os cortes não podem ser o caminho do crescimento.
A especificidade das organizações não-governamentais para o desenvolvimento é outra das questões que, segundo Ahmed Zaki, tem que ser considerada pela administração pública.
"Muitas vezes reconhecem-se os projetos como de grande importância para a cooperação portuguesa, mas depois ao nível dos organismos do estado e dos financiamentos e cofinanciamentos há uma 'décalage' muito grande entre o discurso político e a parte operacional. Porque a organização do Estado não olha para a especificidade das instituições", disse.
Como exemplo, aponta a recente Lei da Fundações, que segundo Ahmed Zaki, "misturou alhos com bugalhos", criando problemas às organizações que, como o IMVF, são "mais operacionais no terreno".
"Fomos bem classificados e houve uma decisão de manter os apoios plurianuais ao instituto, mas depois, na sua cavalgada da burocracia, começou a haver pareceres prévios para o Ministério das Finanças, que paralisaram o Estado e a cooperação, travaram os projetos e tiveram reflexos bastante ameaçadores sobre a parceria estabelecida", adiantou.
Fruto dessas medidas, o responsável adianta que o Estado acordou com o instituto um financiamento de 1,8 milhões de euros para o ano de 2013, fundos que continuam bloqueados, o que, disse, está a deixar a organização "em grandes dificuldades".
O orçamento do IMVF ronda os nove milhões de euros por ano em projetos nos oito países lusófonos, que contam com 40 por cento de fundos da cooperação portuguesa, sendo os restantes 60 por cento assegurados por financiamentos da Comissão Europeia e de outras fontes externas.