Por Marta Palma, in iOnline
O i revela os planos e as férias dos portugueses: casas de amigos, campismo ou períodos mais curtos são as tendências desta época balnear
Mário tem cinco anos e deu o primeiro beijo nestas férias de Verão. Esta é para já a grande novidade da semana de campismo da família. A rapariga que o faz corar enquanto abraça a mãe Isabel, de 35 anos, chama-se Maria e mora no "boogie" ao lado - gíria campista para a casinha com alpendre e mesa de madeira. É hora de almoço e Isabel prepara esparguete na companhia de uma amiga, que veio passar uns dias com a família. "Campismo já fazemos há alguns anos, até porque é mais saudável. Mas cada vez vimos mais preparados. Não dá para comer fora", conta Isabel. Durante anos Isabel passou férias num apartamento. Pela última semana numa casa na Costa de Caparica, destino preferido por ser perto de Lisboa, pagaram 600 euros. Ali, no boogie da Orbitur na Caparica, fica por 200 euros. "Acabamos por desfrutar na mesma mas sai mais em conta."
Apesar de os preços não aumentarem há dois anos, e de a tabela de época alta só entrar em vigor nos últimos dias de Julho, para ultrapassar a quebra na procura que dantes era alta do início ao fim das férias escolares, Conceição, com "casa" neste parque há 30 anos, conta que nunca o viu tão vazio. "Há menos portugueses mas também menos estrangeiros", diz nuns sorridentes 73 anos. Hoje tem uma roulotte com avançado mas começou na lide campista com uma tenda comprada nos antigos armazéns do Chiado nos anos 70. "Custou-me 70 contos, ainda foi um investimento."
Fazer férias sem derrapar no orçamento não é um malabarismo impossível. Mas até os parques de campismo, opção económica, começam a acusar truques adicionais. "Voltamos a ter mais campistas que só vêm com a tenda e menos caravanas. Há também mais pessoas a vir mais por períodos curtos, junto ao fim-de-semana", conta Maria Caetano, gestora do parque. Os estreantes topam-se na recepção: "Sobretudo quando pedem para ajudar a montar a tenda." Mesmo quando é daquelas que se montam quase instantaneamente: "Têm medo de ficar atrapalhados."
Em tempo de contenção, é preciso estar preparado para resistir às extravagâncias. Por mais inocentes que pareçam. Almoçar ou jantar em restaurantes, dormir em hotéis ou atravessar a fronteira são luxos de classe média que ficaram para trás. A regra sente-se no parque de campismo, onde há quem confesse que tinha casa no Algarve e prefere agora investir ali. A terminar a refeição com pêssegos para a sobremesa, a família Paias, de Mourão, diz que refeições fora só no primeiro e no último dia. Ficam seis dias no parque mas quando os filhos eram pequenos - Vânia tem 32 anos - chegavam a ser três meses. Agora é uma fugida rápida ao Alentejo, com Mariana, florista de 61 anos, a fazer contas à vida. Tem um casamento e uma procissão para decorar em Agosto. Depois disso, o mais certo é fechar portas. "Sou a única florista. Quem precisar daqui para a frente terá de ir a Reguengos."
Planos Para quem ainda está a trabalhar, as perspectivas não são mais animadoras. Mas férias, a bem ou a mal, são sagradas, mesmo que isso implique poupar "um pouco mais" no resto do ano. "Já me chega estar todos os dias a pensar como vou pagar a luz, o gás ou a escola dos meus dois filhos e, pior de tudo, já me basta ouvir falar da troika e dos desvarios do governo sempre que ligo a televisão", conta Luísa Artur, empregada de um café em Lisboa, que na segunda quinzena de Agosto ruma ao Algarve.
Fazer um intervalo na rotina é obrigatório. Mas apanhar um avião e aterrar num destino tropical são planos longe do imaginário dos portugueses. Até a ideia de hotel está em desuso. Contar com a boa vontade dos amigos para alojamento e cozinhar todos os dias é a solução low cost para a família de José António Custódio, motorista de táxi de Lisboa.
Algarve parece ser destino mais popular. Será mesmo? A Orbitur, o principal grupo de parques do país, tem recintos espalhados de Norte a Sul, mas são sobretudo os que ficam perto das grandes cidades, como o da Caparica. "Há preocupação com os combustíveis, as pessoas preferem ficar mais perto", explica Maria Caetano. Fazemos o teste com alguns interlocutores encontrados na rua: José Luís Ferreira, de Sintra, vai na mesma a Manta Rota. Ana Marques, moradora no Parque das Nações, em Lisboa, planeia passar uns dias com o namorado no Alvor. Se os destinos ainda são diversos, os sonhos também. Se houvesse dinheiro, haveria mais por onde escolher. "Gostava de conhecer a Escandinávia ou a Rússia", conta Carlos Rosado, do Montijo. "Gostava de ir a Angola", diz Anita D'Aversa a viver em Salvaterra de Magos. Nasceu lá e até hoje não conseguiu juntar para a viagem. "Queria muito ir ao México", confessa por outro lado Ana Marques.
Sonhar não empobrece e, até indicação contrária, não obriga "a pagar imposto", brinca Luísa Artur. Quem disser que, quando o Verão se aproxima, não risca os dias no calendário para se ver livre do trabalho e dos colegas está a mentir, diz José António Custódio. E, para terminar a conversa, quem não passa a outra metade do ano com saudades das férias que passaram, também é um "grande aldrabão", remata o taxista.
Memórias inéditas terão este ano Eulália e José, dois avós prestes a dormir numa tenda pela primeira vez. Uma correcção - interrompe José, de 66 anos. "Na tropa dormi em tendas, mas comparado com esses tempos isto é um luxo." É quarta-feira, primeiro dia da escapadinha na Caparica, e estão a desfrutar da hora de sesta em família. Eulália num colchão de ar e José a ajeitar-se, como pode, no chão. Desde o ano passado que a filha, o genro e os netos trocaram o apartamento no Algarve ou Porto Covo pelo iglo e a manta a fazer de terraço. "É muito mais em conta e os miúdos estão mais à vontade", resume Hugo Lopes, o pai, com 35 anos. "Vou festejar com uns mergulhos na praia e não é nada mau", brinca. Mas a "festa a sério" será no fim-de-semana, que há coisas na vida em que não se deve poupar.
Com Marta F. Reis e Kátia Catulo