26.7.13

UE passou a ser "responsável por todos os males"

in iOnline

A União Europeia (EU) passou de "remédio santo" a "responsável por todos os males", afirma o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que vai organizar uma conferência sobre a relação entre Portugal e Europa.

Em entrevista à Lusa, a propósito do segundo encontro "Presente no Futuro", agendado para 13 e 14 de setembro, o sociólogo António Barreto considera que "o pecado original na relação entre Portugal e a Europa reside no facto de nunca o povo português ter sido chamado a votar em referendo" sobre a integração, recordando que "quase todos" os outros europeus "um dia votaram a pertença" à UE.

Durante alguns anos, a Europa foi "receita para todos os males" e solução para todas as faltas. "Era um atalho para todas as nossas deficiências", resume.

E, na verdade, "Portugal progrediu imenso nestes 30 anos, em rendimento, bem-estar, conforto, alfabetização, saúde, segurança social", mas, à medida que foi crescendo, começou a ver "o lado de trás", as fragilidades da indústria e da economia, para além de uma "sociedade civil muito fraca" e de um "Estado muito pesado, muito gordo, muito taralhouco na sua organização e eficiência", retrata.

Com a crise, depressa a Europa passou de "remédio santo" para "responsável por todos os males", assinala o sociólogo.

A falta de questionamento sobre a integração europeia é disso reveladora. "Por excesso de culpas ou por excesso de bondades, (...) o debate sobre a Europa é um debate inquinado", afirma.

Favorável e "sem reticências" à pertença de Portugal à União Europeia, Barreto considera, porém, que "a Europa tomou alguns caminhos errados" e que "as escolhas feitas não foram sempre as mais acertadas".

Confessando que gostaria de "mais liderança europeia", uma liderança que "não fosse tão marcadamente alemã", Barreto recua ao início para criticar "o excesso de velocidade" na integração. "A Europa andou depressa demais", sublinha, referindo que o projeto avançou sem "um substrato social e institucional suficientemente forte e coeso", que, aliás, "ainda hoje não" existe.

Quando já havia instituições comuns e moeda única, ainda faltavam casais europeus, universidades europeias, sindicatos e organizações patronais, recorda.

A "mitologia europeia" criou a ideia de que todos eram iguais e tinham "a mesma importância", o que "não é verdade", tendo "as relações de poder entre países" mantido a distinção. A crise pôs a descoberto a Europa de "países ricos e pobres, grandes e pequenos, desenvolvidos e menos desenvolvidos", diz.

"O que esta crise económica, social e política contemporânea trouxe (...) foi a consciência de que, na Europa, além do esforço de integração (...), ainda há rivalidades, povos diferentes, Estados diferentes, ainda há luta de classes, luta institucional, pobres e ricos, exploradores e explorados", observa, admitindo que era de esperar "mais solidariedade".

"Não há europeus (...). Sentimo-nos europeus, porque sentimos pertencer à Europa, mas essa coisa chamada cidadania europeia ainda não existe, é um desejo, um voto, uma esperança", advoga.
Mas as crises não são só más, podem até ajudar "as coisas a progredir", como é disso exemplo os protestos realizados "por cima das fronteiras", observa.

"Por causa da crise, houve algum desenvolvimento das relações nos movimentos sociais europeus", destaca, duvidando, porém, da longevidade do "avanço", que, por estar "muito relacionado com a crise", pode vir a revelar-se "efémero".