26.7.13

Os avós do futuro vão ser outros

Por Inês Raposo, Público on-line (life&style)

Em tempo de crise, os avós podem ser uma âncora para a família e os netos um apoio importante para eles. Nesta convivência o tempo é medida de todas as coisas, mas no futuro pode não ser bem assim.

Joaquim e Bernardo vão todas as manhãs ver os crocodilos e os macacos ao Jardim Zoológico de Lisboa. Passeiam um pouco pela zona de acesso livre do zoo e, quando estão cansados, sentam-se à conversa num banco com vista para os cisnes. “Já são horas para comer um gelado?”, pergunta Bernardo, com o entusiamo de uma criança de 7 anos. Joaquim, 67 anos, responde que não, que “a avó está em casa a fazer um almoço melhor”.

É assim desde o início das férias de Verão. Antes de ir para o escritório, por volta das 9h, a mãe de Bernardo deixa-o em casa dos avós e volta ao final do dia para o levar. “Passamos o tempo como podemos, só que o Bernardo é difícil de contentar. Aqui na entrada do zoo entretém-se a ver os animais que há, mas está sempre de pedir para irmos lá dentro ver os animais a sério”, afirma o avô Joaquim Sousa, que só não leva o neto a ver os “animais a sério”, porque para esses é preciso pagar entrada.

De facto, foram as dificuldades económicas que levaram os avós da família Sousa a sugerir à filha, mãe de Bernardo, que, em vez de o inscrever em Actividades de Tempos Livres (ATL), o deixasse com eles durante o Verão. “Acredita que ela até quis dar-nos dinheiro por tomarmos conta do nosso neto? Eu disse logo que nem pensar. Nós quisemos ajudá-la a poupar no ATL, tinha algum jeito ela pagar-nos?”.

Os pais educam, os avós ajudam

A propósito do Dia dos Avós, celebrado a 26 de Julho, falamos com Stella António, autora da obra Avós e Netos: Relações Intergeracionais. A Matriliniaridade dos Afectos (ed. ISCSP-UTL, 2010). Para a autora é natural que os avós sejam uma “âncora” nas famílias, papel que ganha novos contornos em tempos de crise económica. “O apoio instrumental do avós - como ir levar ou buscar os netos à escola - sempre existiu, mas com a crise muitos avós acabam também por se tornar num suporte em termos financeiros, perante o desemprego dos filhos, por exemplo”, afirma a docente e investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP-UTL).

Apesar de muitos avós desempenharem este papel, em Portugal ainda não existem estudos que permitam avaliar o impacto financeiro deste tipo de ajuda. “Seria importante perceber qual o impacto que a ajuda dos avós tem na economia familiar”, defende Stella António. A investigadora tem conhecimento de avós que abandonaram a Universidade Sénior para ajudar mais os filhos e netos e relembra que “os avós devem ter direito ao seu tempo livre e a responsabilidade que têm para com os netos não deve ser igual à de um pai ou de uma mãe.”

Joaquim Almeida nunca fez as contas ao que filha pode estar a poupar ao deixar Bernardo com os avós. Diz nem querer pensar nisso, mas acaba por arriscar um valor: 150 euros por mês, pelo menos durante o Verão. “Nas férias até lhe damos quase todas as refeições, até o jantar, às vezes. Eu não sei bem quanto custa o ATL, mas também poupa nisso e, se vamos dar uma volta, pagamos-lhe o bilhete de autocarro. A gente nem gosta de fazer estas contas, também ganhamos muito a conviver com o rapaz”, afirma o reformado da função pública.

Uma questão de tempo

À entrada do Centro de Saúde de Sete Rios, perto do Jardim Zoológico onde Bernardo e o avô esperam pela hora de almoço, encontramos Maria do Céu e Rita Barbosa, avó e neta que aguardam pela hora da consulta. Como os filhos de Maria do Céu estão a trabalhar, pediram a Rita que acompanhasse a avó. “A minha neta está de férias da universidade e ajuda-me nos recados. Hoje calhou ser o médico, mas ontem limpou-me a cozinha toda, que eu já não tenho força para isso”, afirma a avó de 72 anos.

É por situações como esta que a investigadora Stella António acredita que “os netos também são um apoio fantástico para os avós”. Para a investigadora, “a convivência geracional aumenta a qualidade de vida dos avós e cria neles um forte sentimento de natureza afectiva, por exemplo ao sentirem que estão a acompanhar a continuidade da família”.

“O convívio é essencial e convém não esquecer que os netos também são uma mais-valia para os avós. Além disso, está provado que os adultos que tiveram relações próximas com os avós tendem a ter mais respeito pela população idosa e a ter relações mais próximas com os próprios netos”, afirma com Stella António.

A investigação na área revela ainda que é comum os netos terem uma relação especial com a avó materna, em detrimento dos restantes avós, que se pode explicar pelo facto de as mulheres da mesma família terem mais proximidade ou porque, regra geral, as avós maternas são mais novas e acabam por ter mais tempo com os netos.

O futuro já não é o que era

O aumento da esperança de vida veio permitir aos avós passar mais tempo com os netos, mas a investigadora Stella António afirma que, “apesar de a convivência ter tendência a ser maior, no futuro não será assim.” Com o aumento da idade da reforma, a diminuição do número de filhos por mulher e o facto de serem mães mais tarde, assiste-se a uma “verticalização da família”. Assim, existem menos membros de cada geração por família, mas mais gerações em convivência.

“No futuro, os avós terão menos tempo com os netos, até porque – com o aumento da idade de reforma – muitos deles ainda estarão a trabalhar quando forem avós”, explica a investigadora. Este “alongar do ciclo de vida” implicará mudanças na relação entre avós e netos. “Antes, nos anos 1920, 30 e 40, os avós tinham um papel de transmissão de conhecimentos. Hoje trata-se mais de transmissão de valores e experiência. Ao mesmo tempo, muitos avós também estão a aprender com os netos, veja-se o exemplo da tecnologia e das redes sociais: muitos idosos entraram nesse mundo com a ajuda dos netos”, diz Stella António. Avós e netos acabam assim por ter em comum, mais do que o tempo, a partilha.