por Pedro Rios, in RR
Autor de um livro sobre os "perigos" da austeridade e a necessidade de investir no crescimento, Mark Blyth falou com a Renascença sobre governos de salvação nacional e critica o discurso vigente. "Em nome de não deixar dívida aos nossos filhos, cortamos a economia de hoje para ter a certeza que eles crescem na pobreza."
Para o escocês Mark Blyth, professor de Economia Política Internacional na Universidade de Brown, nos Estados Unidos, não há Governo tecnocrático que resolva um "problema de aritmética: se todos estão a encolher, não se pode gerar o rendimento para pagar a dívida". Depois de vários anos a criticar a política de cortes no sector público, Mark Blyth decidiu escrever um livro para "desmontar" esta "ideologia", que diz não ter sustentação económica. Chama-se "Austeridade - A História de Uma Ideia Perigosa". Em entrevista à Renascença, sustenta que parar com a austeridade é urgente para países como Portugal - mas sublinha que é também fundamental encontrar formas de gerar crescimento.
O que o levou a escrever um livro sobre a austeridade?
Uma das razões foi algo de muito pessoal. Fui educado pela minha avó, porque a minha mãe morreu quando eu era muito novo. Cresci graças ao que se chama 'Estado social'. O que vemos acontecer com a austeridade é a destruição da maior conquista da Europa: o modelo social europeu. A mobilidade social dentro de uma geração - escolas grátis, universidades grátis, conseguidas através dos impostos - vai acabar. Esta crise financeira - a que todos chamam "crise da dívida soberana", mas é, de facto, uma crise dos bancos - permite fazer o que a direita tenta há duas gerações: a destruição das instituições do Estado Social. Quando ouço o argumento seguinte fico muito zangado: 'Precisamos de lidar com a dívida agora porque, se não o fizermos, vamos deixá-la para os nossos filhos'. O que é hipócrita neste argumento é que com austeridade faz-se os pais de hoje mais pobres, encolhe-se a economia e torna-se as perspectivas dos nossos filhos e netos muito piores do que seriam. Em nome de não deixar dívida aos nossos filhos, cortamos a economia de hoje para ter a certeza que eles crescem na pobreza.
No livro, diz que o seu caso - alguém de origens humildes que se torna professor universitário - poderá não existir se estas políticas continuarem. É o capitalismo a atacar uma das suas bandeiras - a mobilidade social?
Mas não tem que ser assim. Isto são escolhas políticas e os governos da Europa decidiram fazer uma série de escolhas políticas em que os pobres têm que pagar pelos erros dos ricos.
Mas por que é que isto acontece? Há um discurso moral em torno da dívida, que fala em "culpa". Os próprios governos de Estados em dificuldades, como o português, usam esse discurso.
Para que Portugal e outros países tenham gasto em demasia alguém teve que emprestar em demasia. De onde vem o dinheiro? Regressemos aos inícios do euro. O euro dá aos exportadores muito bons uma taxa de câmbio artificialmente baixa. Por isso, eles exportam mais, mas não gastam o suficiente domesticamente. Assim, põem o dinheiro nos bancos e os bancos compram dívida de países como Portugal. Isto aumenta a disponibilidade de crédito em Portugal - para que os portugueses possam comprar carros alemães. Porque é que não há ninguém a castigar o Norte por poupar e exportar em demasia? Porque a história da virtude, da prudência é 'nós poupamos e fazemos coisas que as pessoas gostam, por isso não é nossa culpa que vocês se endividem para comprar as nossas coisas'. Mas se os bancos do Norte não dessem dinheiro aos vossos bancos nunca teriam dinheiro para comprar coisas. Por isso, a culpa é repartida.
Com culpa ou sem ela, diz que, pura e simplesmente, a austeridade não funciona. Mas que soluções tem um país como Portugal?
Antes disso: porque é que os políticos acham que isto é uma boa ideia? Porque toda a gente lhes diz isso e porque, no fim de contas, na Zona Euro não tens muito mais opções: não controlas a tua própria moeda, não podes inflacionar, não podes desvalorizar. Se não queres que os bancos rebentem, tens que injectar liquidez, cortar no orçamento e ter finanças mais estáveis. O problema é que a origem do problema não é não haver finanças estáveis - a dívida portuguesa era relativamente moderada antes da crise, a dívida espanhola era bastante baixa antes da crise. O problema é que quando as pessoas olhavam para o BCE viam um banco que não era um verdadeiro banco central, não era um ultimo recurso credível. O que faltava era política bancária credível.
Mas e agora?
Sabemos que a austeridade não funciona: temos 22 milhões a 25 milhões de desempregados, estamos a destruir PIB, é uma bagunça terrível. Como é que revertemos isto? Em alguns países é muito fácil: parem com isto. Peguemos no caso de Portugal. Portugal tem um problema: crescimento baixo. Quando havia crédito fácil da Europa, não se importavam: podiam viver de importações e não havia problema de não produzirem as vossas coisas. Agora têm uma crise económica em que os jovens estão a sair porque não querem ficar numa recessão durante dez anos. Quem vai ficar para pagar pelas pensões? Fizemos estragos tremendos com isto. Não vai haver uma resposta única e simples do género 'activem os gastos públicos'. Mesmo que tal ajudasse a estabilizar economias, a Europa do Sul, em particular, tem um problema de crescimento que vai além da crise do euro. E é um problema muito difícil de atacar.
Portanto, a resposta não é só investimento público.
Para alguns países. A coisa mais fácil de fazer é apenas deixar de aplicar austeridade. Mas Itália, Portugal e Espanha têm um verdadeiro problema estrutural que é saber qual é o seu modelo de negócio. Como é que vão fazer dinheiro nas economias global e europeia quando foram desindustrializados em troca de fluxos de crédito e capital estrangeiro? Tal não é verdade no caso italiano, mas é verdade nos casos português e espanhol.
A União Europeia deve dedicar-se a encontrar formas de pôr estes países a crescer?
Sim, absolutamente. E não virá do habitual menu de reformas estruturais. Não estamos a falar de liberalizar o mercado de trabalho, estamos a falar de gerar crescimento.
E isso pode ser feito sem o antigo modelo de transferências da UE para os países?
O dinheiro ajuda sempre. O investimento público ajudaria, sem dúvida, a sair da recessão terrível. Quando o sector privado está a diminuir, o público deve compensar. Mas deve ser uma solução temporária para que o sector privado possa crescer. No fim de contas, se o sector privado não tiver um modelo para crescer, ainda tens um grande problema.
Escreve no livro que "os factos nunca desmentem uma boa ideologia". Se essa "boa ideologia", essa austeridade que diz não ter fundamentos económicos, não funciona, por que razão surge como resposta à crise?
Se tens a capacidade para pagar a dívida, deves fazê-lo e é possível que cresças de forma mais rápida. Se não tens a capacidade para pagar a dívida, porque estás numa recessão, e tentas fazê-lo, o que acontecerá simplesmente é que ficarás com mais dívida porque a economia encolheu. Quando tens muitos países com a mesma moeda a tentar fazer isto ao mesmo tempo, isso é austeridade. Torna-se algo que se derrota a si mesmo. Acabas com mais dívida, mais desemprego e uma economia mais pequena. É por isso que não funciona.
Em Portugal, Governo e oposição avaliam a possibilidade de um compromisso de "salvação nacional". Em Itália, o governo Monti surgiu como resposta tecnocrática à crise. A política está em causa?
Isto é uma repetição do que aconteceu nos anos 1920 e 30 - havia muitos governos de unidade nacional. O que tentam todos fazer é manter o sistema como está, procurar que os credores recebam o seu dinheiro de volta. O problema é que quando os credores tentam todos obter o pagamento ao mesmo tempo, o que isso faz é apenas diminuir a capacidade dos devedores de pagar o que devem. Não há governos tecnocráticos suficientes para resolver um simples problema de aritmética: se todos estão a encolher, não se pode gerar o rendimento para pagar a dívida. É isso que a Europa está a fazer. Isso é duplamente problemático para países como Portugal, Espanha, que viviam de fluxos de crédito e de capital estrangeiros durante dez anos: se a austeridade parasse amanhã, paravam certamente de encolher, mas como cresceriam? Qual é a nova coisa que vão produzir que vai gerar dinheiro nas economias global e europeia? Esse é o verdadeiro desafio para Portugal.
Para alguns países, como Portugal, o euro pode ser visto, neste momento, como um colete-de-forças. Precisamos de mudanças na arquitectura do sistema monetário europeu?
Neste momento, pode ser ou não um colete-de-forças dependendo da economia em causa. De momento, é um colete-de-forças para vocês, mas é semelhante ao caso grego. E se a Grécia voltasse ao dracma? A Grécia não exporta nada de valor, por isso não ganharia nada em termos de competitividade. Tudo o que faria era acabar com inflação oriunda das importações. Portugal está numa posição ligeiramente melhor, mas o que é que Portugal produz que possa vender no estrangeiro que não é feito na Europa? Alguns produtos agrícolas... A história aqui é: os fluxos de crédito foram-se, todos têm que se ajustar, mas aplicar austeridade em simultâneo piora o problema em vez de o resolver. Temos que parar de fazer isto. Certamente alguma reestruturação dos gastos seria bom para sair da recessão, mas há um problema mais profundo quando o euro ajudou a desindustrializar países como Portugal e Espanha. Qual é o próximo passo, como é que se cresce nesse ambiente, particularmente quando, por causa da recessão, tantos dos vossos jovens e pessoas com talento, empreendedorismo e ideias foram para outros países para arranjar emprego?