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Crise econômica e desemprego provocam mudança na vida dos portugueses. Com financiamento do governo, o campo tem sido saída para os jovens.
Há cinco anos, a União Europeia enfrenta uma grave crise econômica, com recessão e muito desemprego. Ao lado da Grécia, Espanha, Irlanda e Itália, Portugal é um dos países que mais sofrem com ela.
Os repórteres José Hamilton Ribeiro e Francisco Maffezoli Júnior foram até lá e puderam ver que, para se livrar do desemprego, muitos jovens vão buscar trabalho na agricultura.
Lisboa 2013. Em Portugal tudo é bonito, limpo organizado, mas a crise econômica que atinge quase toda a Europa alcança os portugueses principalmente no trabalho. Entre os jovens, o desemprego é ainda maior.
Em certas regiões do interior verifica-se um movimento de busca de oportunidades na exploração de projetos agrícolas, em certa medida, e ainda, em certa proporção seria uma volta ao campo, atrás de uma situação que no momento a cidade não oferece mais.
A exportação de produtos tradicionais da agricultura portuguesa como vinho, azeite, azeitona e cortiça está em alta. Na feira agrícola de Santarém, a 81 quilômetros de Lisboa, que se realiza a cada ano, havia expectativa em relação a visita da ministra da Agricultura de Portugal, Assunção Cristas. Em entrevista ao Globo Rural, ela se mostrou otimista. “O setor agrícola e agroalimentar, o ano passado, foi o único setor que cresceu em Portugal. Cresceu quase 3%, quando a recessão da nossa economia foi de menos 3%”, declara a ministra.
“Eu penso que neste momento o campo já está sendo uma boa oportunidade de trabalho e para o futuro vai continuar a ser, porque a demanda de alimentos a nível mundial está crescendo, em Portugal nós temos mercado interno também para conquistar”, comenta Crista.
A ministra Assunção confia a próxima geração vai crescer em um país de muitas oportunidades para todos, como foi o país até cinco anos atrás. Hoje o momento é de preocupação. O desemprego alcança 17% da população, sendo maior entre os jovens. Na faixa dos 15 aos 24 anos passa dos 40%.
“Essa saída para a agricultura será sempre uma saída muito reduzida, face ao volume de jovens que existem desempregados. Nos últimos tempos têm aparecido algumas iniciativas de criação de empresas, muito pequenas, mas tem uma expressão extremamente limitada”, declara Carlos Manoel Gonçalvez, professor de sociologia do trabalho - Universidade do Porto.
Na Cidade do Porto, a segunda maior do país, o Globo Rural teve um encontro expressivo com esses jovens. Inês está terminando o curso de arquitetura. “Acredito que queira arranjar algum emprego na minha área em Portugal. Apesar de não excluir a hipótese de emigrar”, diz Inês.
Dos seis da mesa, três até consideram a possibilidade de deixar o país. Os outros três pensam em uma solução ligada a terra. Armando é formado em informática, está há um ano sem trabalho, e há pouco tempo decidiu fazer um curso sobre gestão de propriedade rural.
“A minha área de agricultura, que eu gosto bastante é hidroponia. No meu caso eu gostava mais das saladas. Não pelo valor em si, mas pela facilidade da plantação de salada em sistemas hidropônicos”, comenta Armando.
O curso que Armando faz transforma jovens formados em outras áreas em agricultores e também ajuda a preparar projetos para o Proder, Programa de Desenvolvimento Rural.
O candidato apresenta um projeto de atividade agrícola. Se aprovado, recebe um financiamento de 60% do valor a fundo perdido, e ainda um bônus pra começar o negócio. Desde o início do ano, 7.300 projetos de jovens agricultores foram aprovados, a maioria, no norte de Portugal.
A 60 quilômetros da cidade do Porto, fica Amarante, de 50 mil habitantes, conhecida principalmente por causa da festa de São Gonçalo. Em Amarante funciona a Associação de Agricultores Riba-Douro que examina os projetos agrícolas.
De 2007 até 2011 foram aprovados cerca de 20 desses projetos. De 2012 pra cá, foram aprovados cerca de 50. “Não há saídas profissionais, mesmo que a pessoas tenham um curso superior. Daí que muitos deles têm terrenos, outros não têm e vão procurar terrenos. A ideia é ficar aqui em vez de imigrar”, explica Lourdes Cardoso, engenheira agrícola responsável pela Riba-Douro.
Jovens de uma forma ou de outra voltando ao campo. Situação diferente da que o Globo Rural mostrou em 1997. Naquela época, o repórter José Hamilton Ribeiro, esteve na região de Mirandela, também no norte de Portugal e encontrou um cenário bem triste.
Por causa do êxodo, que começou no país lá pela década de 60, comunidades rurais praticamente inteiras ficaram abandonadas. Nas vilas só encontramos velhos. “Só ficamos os velhinhos, os novos já estão tudo no estrangeiro. Foram embora porque aqui não se ganha nada”, declarou uma moradora da região.
Na época, Alzira e o marido, que já morreu, ficaram. Ela estava tocando a propriedade de quatro hectares sozinha com muita dificuldade, mas agora recebeu uma ajuda que considera preciosa. O filho Ricardo, que estava estudando fora, voltou.
Ricardo estudava publicidade na Cidade do Porto e deixou o curso na metade. “Enquanto estava na faculdade, vi a crise afetar o país. A dificuldade que estava em encontrar saídas pra nossa área de formação. Pronto, arregacei as mangas e voltei pra agricultura”, explica Ricardo Meneses, agricultor.
Com a volta de Ricardo, a propriedade se transformou. Antes só se produzia uva de vinho verde, típico da região. Agora, com o financiamento ele plantou kiwi e também está cultivando cogumelo.
O cogumelo chega a pagar as contas do mês, mas o lucro mesmo ele espera que venha da uva e do kiwi. “Neste momento ainda estamos terminando de implementar os pomares de kiwi, mas daqui a quatro, cinco anos, quando estiver em produção, espero obter um rendimento líquido de 25 a 30 mil euros de rendimento. Que serão cerca de 50 a 60 ordenados mínimos portugueses. É um rendimento muito bom para a média de Portugal”, avalia
Em outra propriedade, quatro amigos, três com diploma universitário, formaram uma sociedade e cultivam shitake, um tipo de cogumelo muito apreciado na Europa. O shitake é cultivado em toras de madeira, tanto madeira nativa - quando se pode cortá-la - quando eucalipto. “Nós dividimos a despesa da mão de obra entre nós”, diz Rafael Azevedo, contador e agricultor.
Rafael foi quem chamou os amigos pra se juntar ao negócio. Ricardo Moreira nunca tinha trabalhado no campo. “Eu estava desempregado. Em contato com outros colegas decidimos produzir algo todos juntos”, diz o agricultor.
Eles também fazem o comércio do cogumelo. Afinal quem produz precisa de quem compre, senão o projeto fracassa. “O mercado na Europa procura muito este produto e eu acredito profundamente que isso vai ter futuro”, comenta Rafael.
Na região do Alentejo está um dos principais investimentos do governo no setor agrícola. A barragem de Alqueva irriga uma das áreas mais secas do país. Espera-se que chegue a ter 120 mil hectares atendidos. A chegada da água abriu novas possibilidades de cultivo e de trabalho.
Marta Marques se formou em química. “Formei, tirei uma pós graduação passado um ano, depois fiz um estágio na parte de laboratório”, conta.
Marta agora está trabalhando na produção de azeitona, mas não como química. Ela ajuda na administração da propriedade do pai, Joaquim. Ele já tinha uma plantação no sistema de sequeiro.
Com a água da barragem, conseguiu mais terras e aos poucos foi ampliando o negócio em parceria com o filho Pedro, que cuida do manejo da oliveira irrigada. “Nós temos 135 hectares e 416 árvores por hectare. Em olival de sequeiro poderemos ter de 80 a 130”, explica.
As azeitoninhas que já aparecem serão desbastadas para as plantas se fortalecerem e criarem no ano que vem uma carga maior. Joaquim Marques que lida com oliveira desde criança está muito contente, porque a plantação agora até permite que a filha trabalhe com ele, ainda que fora de sua formação.
“Foi uma forma de fazer com que ela não ficasse parada em casa. E também como uma forma de moralizar, por serem novos e terem uma atividade. Peço que hoje ela esteja completamente moralizada para a vida”, declara o pai.
O plano da família Marques é construir um lagar, uma fábrica de azeite. Aí sim, com laboratórios e controles, Marta poderá continuar no campo, porém trabalhar na área para qual se formou. A crise, às vezes, abre uma grande oportunidade.