31.10.13

A pobreza das nações

Helena Cristina Coelho, in Económico

A Europa retratada pelo alemão Habermas é onde os poderosos países do Norte se distanciaram dos enfraquecidos países do Sul, para os quais até se reservou o desafortunado acrónimo de PIGS.

O alemão Jürgen Habermas passou esta semana por Lisboa para falar de Europa, democracia e esse nó cego que as une e ninguém desata: crise. Apontado como um dos mais influentes pensadores da actualidade, o filósofo e sociólogo esgotou uma sala da Gulbenkian que o ouviu lamentar a progressiva perda de autonomia dos países europeus, criticar a timidez dos partidos políticos para travar o poder económico, contestar a subserviência dos Estados-membros aos mercados financeiros, reprovar os egoísmos nacionais dentro da União Europeia, condenar a crescente incapacidade dos governos de cada país para melhorarem as condições de vida dos seus cidadãos e, por fim, defender uma saída para a crise: é preciso mudar o espaço europeu e criar processos de legitimação democrática a nível supranacional, reclamou o filósofo para quem é urgente que a identidade da União Europeia não esteja dependente de ‘quem-dá-o-quê-a-quem'.

Habermas é certeiro quando ataca a gradual desunião europeia e a forma como esse sonho de unidade política, económica, fiscal, social se tem fragmentado. Também não anda muito longe da verdade quando alerta para a perda de soberania de muitos países (os portugueses sabem bem do que ele está a falar) e de como os governos hoje estão, cada vez mais, reféns de instituições financeiras externas que lhes condicionam a política e hipotecam o futuro das suas gerações (os portugueses continuam a saber do que ele fala, certo?). Há, contudo, uma estranha sensação de ironia ao ouvir tudo isso a um alemão. A Europa retratada por Habermas é essa Europa onde os poderosos países do Norte se distanciaram dos enfraquecidos países do Sul, para os quais até se reservou esse desafortunado acrónimo de PIGS. É a Europa dividida entre países doadores e devedores, em que a falta de solidariedade, em boa parte alimentada pela própria Alemanha, tem exposto ainda mais as suas fracturas.

O pensador alemão atira culpas à globalização e à política neoliberal de desregulação económica que, diz, roubou aos Estados o poder de controlarem os mercados e de assumirem um papel independente num cenário de Estado-providência. Talvez parte do pecado esteja aí, na incompetência dos Estados em regular a economia com ‘mão invisível', na incapacidade em harmonizarem sistemas políticos. Habermas não vem reclamar nada que outros antes, como Jacques Delors, já não tenham ambicionado ou defendido. Mas essa Europa social ou solidária que ele defende tem custos e custos crescentes. E essa solidariedade implica responsabilidade, que é o mesmo que dizer que não há direitos que sobrevivam sem obrigações que as sustentem. Falta por isso responder a uma questão: que obrigações estão todos os Estados-membros dispostos a assumir em nome de uma real união europeia?