25.10.13

Ciganofobia e Racismo – Ponto Zero para o Futuro

Por Vasco Malta (CICDR – Comissão para a Igualdade Contra a Discriminação Racial, in Newsletter Temática nº7 (ACIDI)


De acordo com o Dicionário on-line Priberam [1] , cigano poderá ser quem:
(…)
5. [Pejorativo] Que ou quem age com astúcia para enganar ou burlar alguém. = BURLÃO, IMPOSTOR, TRAPACEIRO, VELHACO
6. [Pejorativo] Que ou aquele é excessivamente agarrado ao dinheiro. = AVARENTO, SOVINA
(…)

A questão da ciganofobia é, sejamos claros, algo extremamente enraizado na sociedade portuguesa. Tanto assim é que o próprio dicionário define cigano como alguém (entre outras definições) que age com o intuito de enganar terceiro.

Muitos motivos poderão estar na génese desta particularidade, muitos deles, aliás, com responsabilidade quer da sociedade maioritária, quer da própria comunidade cigana. No entanto, uma das realidades inquestionáveis e que todos nós, quase sem exceção, já testemunhámos (inclusive junto de amigos e familiares), é que o antagonismo às comunidades ciganas é assumido socialmente, sem qualquer pudor.

Não me cabe a mim apontar dedos a ninguém, até porque, como já disse, trata-se de um fenómeno cuja responsabilidade pode ser atribuída a ambas as partes desta realidade.

No entanto, se há responsabilidades de ambas as partes no passado e na sua génese, tem de haver responsabilidade de ambas as partes no futuro, isto é, na própria solução.

Existe, no plano europeu, a perceção de que os ciganos são, de longe, a minoria menos integrada em todas as esferas (económica, social, etc.). Os dados da Agência Europeia dos Direitos Fundamentais vão no mesmo sentido, isto é, de acordo com o último Roma Pilot Survey (2011), por exemplo, em Portugal 22% dos ciganos que procuraram trabalho nos últimos cinco anos sentiram-se discriminados devido à sua etnia e não conseguiram a colocação no emprego que pretendiam [2].

Tendo noção desta realidade, a Comissão Europeia impulsionou todos os Estados-membros a desenvolverem uma Estratégia tendo em vista a integração das comunidades ciganas. Portugal não foi exceção e desde Abril deste ano que a Estratégia Portuguesa foi aprovada pelo Governo. Contudo, a grande diferença entre a Estratégia Portuguesa relativamente às restantes é o facto de assumir a dimensão da “Discriminação” como uma área transversal a todos os eixos da Estratégia.

Este é, sem sombra de dúvidas, um sinal extremamente importante. É sinal de que a questão da discriminação é absolutamente fulcral no sucesso da implementação dos diversos eixos da estratégia, designadamente a educação, saúde, habitação, emprego, entre outras.

Engana-se, contudo, aquele que pensa que a Estratégia é um caminho de um só sentido. Na realidade, trata-se de uma autoestrada de duas vias onde há, claramente, trabalho a fazer por ambas as partes – comunidade cigana e sociedade maioritária – no combate à discriminação.

Será possível pensarmos na existência de uma sociedade sem estereótipos, sem xenofobia, sem racismo? Não sejamos ingénuos. Obviamente que tal não existe.

Mas o que está em causa com esta Estratégia é a possibilidade de começar do zero, isto é, de ser lançada uma semente, que no médio e longo prazo pode e deve florescer.

É dever de ambas as partes ir alimentando a semente para que no futuro se transforme numa árvore com longas e fortes raízes.

Vai ser um desafio? Vai.

Vai ser complicado de implementar? Sem dúvida.

Mas o facto de ser difícil não deve levar-nos a ter medo de seguir em frente.

Será sempre com pequenos passos e progressivos que conseguiremos combater a discriminação e quebrar os estereótipos, especialmente aqueles associados às comunidades ciganas, mas o mais importante é começar. O lançamento da Estratégia é, pois claro, uma oportunidade, o ponto zero para o futuro.