Texto de Ivo Costa Santos, in Público on-line
Esta geração, por um lado, não é considerada pelos ciclos de decisão e, por outro, uma vez que não se sente representada, desconfia dos mecanismos de representatividade
Por estes dias, debate-se na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, uma resolução sobre juventude, a ser aprovada na 68.ª Assembleia Geral das Nações Unidas.
Desde 1998, ano em que se realizou em Braga o Fórum Mundial de Juventude, que cabe a Portugal apresentar esta resolução a cada dois anos. Mais recentemente, em 2002, juntou-se a Portugal o Senegal e, em 2009, a Moldávia.
No quadro das Nações Unidas (ONU), e se não considerarmos a recente participação de Portugal como membro observador do Conselho de Segurança, esta iniciativa é uma das mais relevantes que Portugal assume no contexto da ONU. O ano de 2011 marcou o momento em que o mundo passou a tomar consciência da importância da juventude e a dotar de relevância e pertinência a realidade da vida dos jovens, que até então tinha sido descurada a nível global, ao ponto das suas expectativas caírem por terra, em permanência, resultando numa geração sem esperança.
A Primavera Árabe chamou a atenção para um conjunto de jovens que, antes mesmo, em Espanha, tinham já sido intitulados de geração “nem-nem”, jovens que “nem estudam nem trabalham”. Jovens, por isso, abandonados no seu (des)propósito.
Tal realidade conduziu rapidamente a uma luta de sistemas, mais do que uma luta de classes, sendo que os jovens, como hoje acontece com uma faixa etária um pouco mais velha, entre os 55 e os 65 anos, não conseguem integrar-se num sistema laboral, ao qual correspondem um conjunto de direitos sociais, como sendo a segurança social, o acesso a prestações sociais e, em consequência, o acesso ao crédito, à habitação, e em consequência à família, saúde ou educação.
Esta luta de classes conduz a uma espiral de ausência de participação, em que esta geração, por um lado, não é considerada pelos ciclos de decisão e, por outro, uma vez que não se sente representada, desconfia dos mecanismos de representatividade.
Ora esta resolução, que tem a particularidade de ter delegados jovens de vários países a acompanhar as missões diplomáticas junto das Nações Unidas, é uma oportunidade para reconhecer estas realidades:
1. O problema dramático do desemprego jovem, que afecta jovens em todo o mundo;
2. A ausência de uma geração com direitos: laborais, sociais, económicos, de saúde, educação ou outros;
3. A necessidade de definir uma estratégia pós-2015, ano em que terminam os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, programa da ONU que teve oito metas de desenvolvimento global, entre as quais o combate à pobreza e exclusão;
4. A afirmação da necessidade de implementar o Plano Mundial de Juventude, documento considerado de vanguarda aquando da sua aprovação por todos os estados membros da ONU, e que identifica uma estratégia de desenvolvimento para a juventude;
5. Reconhece a necessidade de afirmar a participação jovem a nível local, nacional, regional e global, nomeadamente em mecanismos de diálogo estruturado, onde no quadro da ONU, organizações de juventude e alguns países, defendem a criação de uma plataforma permanente de concertação entre jovens e organizações de juventude e estados.
Neste momento em que, no hemisfério Sul, mais de 70% da população tem menos de 35 anos, e num hemisfério Norte onde a demografia, mas também a grave crise que a todos afecta, coloca em causa, de forma tão violenta, a capacidade que os jovens têm em se auto-realizar e desenvolver o seu próprio projecto de vida, uma resolução desta natureza poderá dar novo alento a estas realidades.
Este documento poderá não transformar, de um dia para o outro, a realidade de muitos jovens, mas contribuirá, certamente, de forma decisiva, para a instituição de uma consciência global para os problemas que as novas gerações enfrentam, do mesmo modo que, no passado, as mesmas resoluções, mesmo sem carácter “impositivo”, contribuíram para o fim do "apartheid" na África do Sul, ou ainda condenaram atitudes de muitos estados relativamente aos povos do mundo.
Portugal, e a sua diplomacia, terão assim um desafio exigente de compreender as dinâmicas sociais que o mundo atravessa, e afirmar valores e princípios, mesmo quando outros estados não o fazem.
Para uma organização que tem na sua carta, como primeira frase, "We the people", é importante reforçar que as instituições servem as pessoas — e os jovens precisam desse serviço por eles também.
Tal como em 1998 se afirmou em Braga, “Nothing about us, without us”, é tempo de recordar, aqui e nas Nações Unidas, que políticas para os jovens se fazem com eles e não para eles.