29.10.13

Pobreza nunca menos

por Alberto Gonçalves, (opinião), in Diário de Notícias

"Os pobres não se manifestam nem vão à televisão." Em circunstâncias normais, a frase de Paulo Portas suscitaria diversas interpretações. O vice-primeiro-ministro sugere que os pobres estão satisfeitos com a situação? Ou que os pobres estão resignados à situação? Ou que os pobres, embora sofredores, percebem os esforços do Governo sapiente e ponderado para vencer a crise? Ou que existe mesmo um estudo - que, à semelhança do da reforma do Estado, o dr. Portas não desvenda - sobre a falta de participação dos menos endinheirados nos protestos populares, no Prós e Contras e no Preço Certo? Repito: a frase, de gosto e cientificidade discutíveis, presta-se a inúmeras leituras. Em Portugal, provocou uma única: os governantes são maus e não gostam dos pobrezinhos.

Tudo porque o dr. Portas, que no espectro político indígena passa por sujeito de direita, ousou violar uma regra da etiqueta nacional e bulir naquilo que, aparentemente, é pertença exclusiva da esquerda. Na teoria, a esquerda é avessa à propriedade privada. Na prática, defende-a com extremoso zelo. E se as "boas famílias" do antigamente tinham o "seu" pobre, em cima do qual despejavam sopa e caridade, a esquerda tem milhões de pobres, todos os do País e, se vier a propósito, todos os que habitam a Terra. É verdade que não lhes dá sopa nem roupa, mas dá-lhes retórica com abundância. Nos desafortunados ninguém, excepto a esquerda, toca.

Esta posse, de ordem mais divina do que legal, confere à esquerda o direito de decidir o que os pobres pensam, sentem, querem. Donde, naturalmente, os pobres quererem correr com o Governo e com a troika a fim de depositar no poder os seus donos, ou, se a palavra for desagradável, os amigos que os protegem e orientam. É facto que tão saudável relação de dependência nunca se manifesta nas urnas, onde, por desnorte ou estupidez inata, os pobres tendem a preferir a pacatez em detrimento da revolução. Por isso é que nos regimes dedicados com afinco à pobreza esta não só não vota como aumenta exponencialmente, afinal o derradeiro sonho da esquerda. Os amigos dos pobres precisam de companhia. Quanto a discernir se os pobres apreciam a companhia, não lhes perguntem: perguntem à esquerda, disponível numa manifestação ou numa televisão perto de si.