Por Rosa Ramos, in iOnline
SEF é obrigado a investigar todos os casamentos entre portugueses e estrangeiros. Inspectores avisam que as falsas uniões aumentaram
Carla aceitou casar-se com Abdul a troco de 2500 euros. Na cerimónia, marcada para as 14h30 de 13 de Setembro no Registo Civil de Faro, compareceram os noivos e um intérprete. O paquistanês estava em Portugal há um ano e pouco sabia de português. O casamento fez-se e Abdul pagou à mulher o valor combinado em prestações. A união, contudo, levantou suspeitas. A conservatória estranhou a presença de um tradutor e contactou o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Mal pesquisaram o nome do paquistanês, os inspectores descobriram que Abdul tinha sido detectado, dois meses antes, sem documentos. Nessa altura deram-lhe um prazo de dez dias para abandonar Portugal. Mais tarde, já em frente ao juiz, o casal confessou que o casamento aconteceu só por conveniência. Abdul precisava de papéis portugueses e Carla de dinheiro. Ela apanhou um ano e dez meses de prisão efectiva e ele foi condenado a um ano e seis meses com pena suspensa. No ano passado, a empregada de escritório com uma longa lista de antecedentes criminais ainda recorreu para o Tribunal da Relação de Évora pedindo a suspensão da pena. Os juízes negaram e Carla continua detida em Tires.
Em 2013 houve pelo menos 52 casamentos falsos, mas as autoridades desconfiam que poderá haver mais casos. Tanto os inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras como o relatório anual de segurança do Ministério da Administração Interna admitem que o fenómeno está a aumentar. E a culpa é da crise. As mulheres apanhadas nestes esquemas têm quase sempre problemas financeiros. "Muitas são divorciadas, estão de- sempregadas ou têm dependências", conta um inspector do SEF.
Nos últimos anos, a polícia criminal passou a considerar prioritária a investigação nesta área. O controlo também apertou e o SEF é obrigado a investigar todas as intenções de casamento entre portugueses e estrangeiros oriundos de países de fora da União Europeia. A razão prende-se sobretudo com o receio de os foragidos à justiça usarem este subterfúgio como passaporte para entrar na Europa. O fenómeno pode até parecer inofensivo, mas o recurso aos casamentos de conveniência é muito mais que uma simples fraude. "A maioria das pessoas não tem consciência de que é uma forma de dar entrada não só a pessoas que procuram uma vida melhor, mas também a imigrantes com propósitos obscuros", avisa o inspector do SEF, recordando o caso do responsável pelo ataque terrorista a Bombaim que em 1993 fez 257 mortos. Ficou provado que Abu Salem casou por conveniência em Portugal, onde viveu até ser preso, em 2002.
O casamento de conveniência é crime desde 2007 e punível com prisão de um a cinco anos. Se houver prática reiterada ou organização, a pena sobe para dois a cinco. O fenómeno dos "casamentos brancos", contudo, registou um abrandamento no ano passado, consequência de uma megaoperação que envolveu as autoridades portuguesas, francesas e britânicas e permitiu desmantelar uma rede que angariava noivas em países como Portugal.
Há pouco mais de um ano, o SEF ajudou a desmantelar uma grande rede europeia de casamentos de conveniência. O líder vivia em França, movimentava milhares de euros e coordenava portugueses, indianos, paquistaneses e bangladeshianos. Em Portugal funcionava uma rede de angariação de mulheres, a maioria recrutadas em bairros sociais e que recebiam entre 500 e 3 mil euros. Já os homens estrangeiros que recorriam ao serviço pagavam à organização montantes que oscilavam entre os 5 mil e os 15 mil euros. Alguns casamentos eram celebrados por procuração e sem a presença dos noivos - que viviam fora de Portugal, em Inglaterra ou França. Era aliás nesses dois países que se realizava a maioria das uniões, pagando a rede as viagens às noivas portuguesas.
Casais investigados Há quatro anos, uma conservadora do Registo Civil de Gondomar foi detida por fazer parte de uma rede de casamentos por conveniência. Celebrou mais de 130 casamentos, a maioria entre prostitutas e paquistaneses, e acabou condenada. Desde então, conta outro inspector do SEF, as regras são mais exigentes. Sempre que um português dá entrada com os papéis para casar com outro cidadão que não seja da União Europeia, as conservatórias comunicam ao SEF - que tem de investigar todos os casais para ter a certeza de que o casamento é a sério. Os investigadores têm mostrado resistência quando em causa estão investigações aos actos preparatórios por considerarem que se trata de "desperdício" de recursos humanos.
"A simples pretensão de casar passou a ser alvo de investigação, o que é pidesco. O casamento ainda não se consumou e já se está a desconfiar e a averiguar a veracidade das relações", defende o mesmo inspector, acreditando que a medida não tem impedido os casamentos por conveniência. Na prática, o SEF tem de visitar todos os casais e pedir fotografias e outros elementos que provem "existir uma vivência em comum".
Ainda assim, o ano passado, segundo os dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), foram detectados 52 casamentos de conveniência em Portugal e o documento admite que o fenómeno se tem vindo a "intensificar". Recuando a 2012, e de acordo com as estatísticas do Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (RIFA) do SEF, foram abertos 52 inquéritos relacionados com o crime de casamento por conveniência e constituídos 94 arguidos.