por Joana Costa, in RR
Zero Desperdício, Fruta Feia e Refood são projectos portugueses que podem servir de modelo para experiências em todo o mundo, diz a FAO à Renascença.
Lisboa quer ser a primeira capital zero desperdício do mundo. No Minho, nasceu o primeiro movimento universitário nacional de combate ao desperdício nas cantinas. A Refood chega ao Porto este ano e também está em marcha no Algarve. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) está atenta ao que Portugal está a fazer contra o desperdício alimentar.
"São experiências positivas que devem ser partilhadas a nível mundial para a criação de uma plataforma sólida de combate ao desperdício", refere Hélder Muteia, representante da FAO em Portugal, à Renascença.
Portugal está bem posicionado nesta luta, diz a organização das Nações Unidas. Tem um nível de desperdício de 17%, abaixo da média mundial (35%), concluiu, em 2012, o Projecto de Estudo e Reflexão sobre Desperdício Alimentar. No mundo, a comida desperdiçada podia alimentar os 846 milhões de pessoas que passam fome.
O surgimento de várias iniciativas contribuiu para estes números. Mas a grande distribuição e a indústria também estão atentas.
Lisboa a capital do zero desperdício
O Movimento Zero Desperdício, a completar dois anos de existência, vai assinar terça-feira um novo protocolo com a Câmara de Lisboa para tornar a cidade a primeira capital mundial do zero desperdício. Ainda não são conhecidos os pormenores da iniciativa.
O movimento da associação Dariacordar aproveita os bens alimentares que antes acabavam no lixo – comida que nunca saiu da cozinha, comida cujo prazo de validade se aproxima do fim ou comida que não foi exposta, nem esteve em contacto com o público – fazendo-os chegar a pessoas que dela necessitam. Já serviu quase 900 mil refeições nos estabelecimentos aderentes.
Este movimento lança, por estes dias, o "Manual da Replicação" para levar às autarquias e juntas de freguesia o conceito legal de combate ao desperdício alimentar, criado há dois anos.
"Com a criação da associação em Janeiro de 2011, explicámos à ASAE que a lei não era muito objectiva no que à distribuição de alimentos perecíveis dizia respeito. Havia uma interpretação negativa da mesma, com a proibição da distribuição e doação de alimentos desperdiçados mas em óptimas condições de segurança e higiene alimentar para serem consumidos por quem necessitasse", diz António Costa Pereira, presidente do Movimento Zero Desperdício.
"A ASAE concordou e juntos preparámos os procedimentos de recolha, transporte e condicionamento para ser possível doar. No fundo, desbloqueámos este processo", explica.
Refood chega ao Porto
Com o caminho legal aberto para a doação de alimentos perecíveis e confeccionados, nasceu a Refood.
Esta associação 100% voluntária combate o desperdício alimentar, ajudando famílias carenciadas assinaladas por instituições particulares de solidariedade social (IPSS).
A fórmula é simples: a Refood recolhe junto de estabelecimentos de restauração sobras em condições de serem consumidas. Fê-lo primeiro em Lisboa, com 680 famílias beneficiadas. Quase três anos depois, chega ao Porto, na Foz do Douro. "Estamos em negociações com a Câmara para nos ser cedido um espaço", conta à Renascença Francisca Mota, impulsionadora e coordenadora da Refood Porto.
A 12 de Março, uma "reunião sementeira" teve "uma adesão muito grande". "Superou largamente as nossas expectativas. E resultou numa grande base de dados de pessoas que querem colaborar com o projecto a título voluntário", refere.
Desta reunião surgiram também pessoas interessadas em criar 14 núcleos noutras freguesias do Porto e arredores. "Vontade que neste momento também já chegou ao Algarve (onde as coisas estão mais avançadas), Oeiras, Covilhã e, possivelmente, Vila Real."
Das cantinas para as cantinas
A Norte, em Braga e Guimarães, nasceu em Outubro de 2013 o movimento "Menos estômago que barriga", pela mão de alunos de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. Levam a comida que sobra nas cantinas da universidade para as cantinas sociais.
Na instituição minhota são geradas quatro mil toneladas de resíduos alimentares por mês. Números que impressionam aquele que se afirma como o primeiro movimento universitário português contra o desperdício alimentar.
"Temos patrulhas. De forma informal, abordamos os alunos. O objectivo é que ganhem mais consciência social e percebam se vão realmente comer tudo o que colocam no prato ou não. Porque tudo o que sobra no tabuleiro é resíduo e tudo o que sobra nas cantinas lá dentro vai para cantinas sociais", explica a co-fundadora Sara Oliveira.
Com meio ano de vida, não há ainda números concretos do reflexo do "Menos estômago que barriga". Mas a recepção dos alunos "tem sido fantástica", refere.
Pioneirismo português
Com um posto de venda ao público no lisboeta Largo do Intendente (o segundo nasce, no Rossio, na terça-feira), a cooperativa Fruta Feia ajuda os agricultores a escoar a produção que não conseguem colocar no mercado por razões estéticas – o aspecto ou o tamanho dos produtos hortícolas.
A cooperativa, que em Setembro deve chegar ao Porto, "conta já com 210 consumidores associados e 14,5 toneladas de desperdício evitado", nas contas da fundadora Isabel Soares.
"Acho que é original no mundo. Existem vários projectos, a nível nacional, europeu e mundial, que visam combater o desperdício alimentar. Agora projectos que estejam baseados nos consumidores, como é a cooperativa de consumo Fruta Feia, e que pretendam actuar no início da cadeia agro-alimentar, ou seja, ao nível do agricultor, é o único que conheço", diz.