15.4.14

Retrocesso ameaça educação, a maior "vítima" dos cortes

por Rui Marques Simões, in Diário de Notícias

Análise. Não há opiniões unânimes entre quem diz que houve "ganhos de eficiência", como David Justino, e quem acha que "com a atual sangria de meios e recursos, tudo andará para trás", como Santana Castilho. Uma coisa é certa: desde 2011, a educação foi o braço do Estado social que mais encolheu. Esta é a radiografia da sua mutação


Um sector a readaptar-se, em retrocesso, em perigo de degradação, já a degradar-se, a tornar-se racional ou com ganhos de eficiência. As visões variam, mas uma coisa é certa: três anos depois da assinatura do memorando de entendimento com a troika, nada está igual na Educação em Portugal.

Esta área foi o braço do Estado social mais afetado pelos cortes orçamentais dos últimos anos. O memorando impunha uma poupança de 195 milhões de euros em 2012 e 175 milhões de euros em 2013, "através da racionalização da rede, criando agrupamentos escolares, diminuindo a necessidade de contratação de recursos humanos, centralizando os aprovisionamentos e reduzindo as transferências para as escolas privadas com contrato de associação". Contudo, a redução do orçamento disponível para o sector (incluindo o ensino superior) foi bem maior: de 2011 para 2014, encolheu cerca 1200 milhões de euros. "A política de austeridade tem-se sentido mais na educação do que nas outras áreas sociais e de forma mais consentida. Os cortes foram mais do que o exigido pela troika mas como que passaram despercebidos, de forma silenciosa", analisa Ana Benavente, antiga secretária de Estado da Educação (de 1995 a 1999, no primeiro Governo de António Guterres), criticando que se esteja a "considerar a educação como custo e não como investimento".

O impacto dos cortes é visível. E grave, na visão de Santana Castilho, professor universitário e especialista em política educativa, que elenca as muitas alterações no dia-a-dia das escolas: "Afastamento da profissão de muitos e dedicados professores; redução, sem critério, de funcionários indispensáveis; redução da oferta educativa das escolas públicas; eliminação de disciplinas; brutal aumento do número de alunos por turma; diminuição do financiamento dos serviços de ação social escolar; remoção sistemática das respostas para necessidades educativas especiais; redução das horas de apoio individualizado aos alunos."

De facto, os últimos anos ficaram marcados pela redução do número de professores e funcionários nas escolas e pela criação de mega-agrupamentos escolares (235 até aqui). O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascensão, afirma que os cortes criaram "muita pressão no sistema educativo, prejudicando as famílias que precisam de apoio". Ainda assim, o secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, admite que "ainda não se pode dizer que a escola pública se degradou de forma a perder a qualidade que tinha, porque os profissionais que lá estão - todos eles -, mesmo com dificuldades imensas, têm dado o seu melhor". Mas sublinha que "o risco de perda de qualidade é evidente".

O presidente do Conselho Nacional de Educação, David Justino, tem uma visão algo diferente. O também antigo ministro da tutela (de 2002 a 2004, no Governo de Durão Barroso) reconhece que nos últimos anos "houve ganhos de eficiência". "Não é por gastar muito que estamos a gastar bem. E mais despesa nem sempre é bom investimento", sublinha, sem querer "entrar em polémicas" sobre o atual estado do sector.

"Todos temos de ser capazes de nos adaptar à situação em que vivemos, mas é preocupante, principalmente no ensino superior, com a diminuição da procura", diz, por seu lado, Júlio Pedrosa. O antigo ministro da Educação (de 2001 a 2002, no segundo Governo de António Guterres) não deixa de notar os "progressos notáveis" do País nos últimos anos, em rankings internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) - algo que Ana Benavente diz ser "o resultado do investimento" que fora feito até 2011. Contudo, quanto ao futuro, a visão também é pessimista: "No atual contexto de sangria de meios e recursos do ensino público, tudo andará para trás, o que é gravíssimo", conclui Santana Castilho.