15.4.14

Abandono escolar é preocupação sem rostos nem números

por Rui Marques Simões, in Diário de Notícias

Educação. Ainda não há estatísticas nacionais que o comprovem nem desistentes que aceitem dar a cara, mas os líderes de associações estudantis do ensino secundário e superior garantem que o abandono escolar está a aumentar. Estudo da Federação Académica do Porto estime em 500 mil as desistências do superior em década e meia


É uma inquietação recente, ainda sem suporte estatístico nem "vítimas" com vontade de contar a sua história. O abandono escolar, motivado por razões económicas, está a aumentar tanto no ensino secundário como no superior: é a convicção e a preocupação número um dos estudantes (e um sintoma da crise).

"O último relatório de atividade das comissões de proteção de crianças e jovens em risco qualifica como muito significativo o aumento das situações que comprometem o direito à educação. E quantifica o fenómeno: 22,2 % dos casos registados no primeiro semestre de 2013 são violações dos direitos dos menores à educação. O absentismo e o abandono escolar já são a segunda maior ameaça a menores na tipologia adotada pela Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco", elucida Santana Castilho, especialista em política educativa.

Mas nem seria necessário uma opinião especializada para mostrar a preocupação dos estudantes do ensino secundário e superior. Ela está-lhes nos discursos. "As estatísticas mostravam uma melhoria quanto ao abandono escolar, mas agora estamos a viver o inverso", diz o presidente da Federação Nacional do Ensino Superior Particular e Cooperativo, Joel Pereira. "De ano para ano, estas situações têm aumentado", acrescenta o líder da Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico, Daniel Monteiro. "É um problema crónico e negativo", sentencia, por sua vez, o presidente da Federação Académica do Porto, Rúben Alves.

E a inquietação até já chegou ao secundário: "Há cada vez mais pessoas com dificuldades em acabar o 12.º ano. As famílias não têm condições para pagar passes, refeições, livros e demais despesas. Há casos na minha escola de pessoas que deixaram de estudar por não conseguirem aguentar ou que passaram para o ensino noturno para trabalharem ao mesmo tempo", descreve, ao DN, Beatriz Pinto, membro da Direção da Associação de Estudantes da Escola Secundária António Sérgio (em Vila Nova de Gaia), que foi porta-voz dos estudantes do ensino básico e secundário, na última manifestação nacional, em março.

Na verdade, as estatísticas ainda não mostram o avolumar destes casos (e, por vergonha, nenhum ex-estudante aceita contar a sua história). Os últimos dados do Eurostat apontam uma taxa de abandono escolar precoce (relativo a quem tem entre 18 e 24 anos, não concluiu o ensino secundário e já não estuda) de 19,2% em 2013. O valor mostra uma evolução em relação a 2012, quando se situava nos 20,8%. E uma melhoria clara, em relação aos 28,7% de 2010 ou aos 41,2% de 2003. Essa evolução também é fruto do alargamento a 12 anos do ensino obrigatório (a partir de 2009). No entanto, Portugal mantém, ainda assim, o terceiro pior registo da União Europeia a 28 (só atrás de Espanha e Malta), bem longe da média de 12,0 e do objetivo europeu de 10,0 em 2020.

Quanto a dados mais atuais, o Ministério da Educação não respondeu em tempo útil ao pedido feito pelo DN. No ensino superior, Conselho de Reitores das Universidades Portugueses, Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos e Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado não dispõem de estatísticas. Mas os ecos dos abandonos por motivos financeiros foram surgindo nos últimos meses: 678 desistências na Universidade de Coimbra, 620 na do Porto, 600 no Minho, 168 no Algarve, 180 no Instituto Politécnico de Leiria, 111 no de Castelo Branco...

Um cálculo feito pela Federação Académica do Porto aponta mesmo para cerca de 500 mil desistências do ensino superior em 15 anos (entre 1996 e 2011). "Concluímos este número partindo dos dados disponibilizados pela Direção-Geral do Ensino Superior quanto ao número de inscritos em cada ano, quanto ao número de matriculados no primeiro ano pela primeira vez e quanto ao número de diplomados... chegando por defeito ao valor de desistências", explica Rúben Alves.

Agora, a preocupação é crescente. "A ação social não é suficiente tendo em conta os problemas das famílias", explica Daniel Monteiro. "As instituições estão a reagir tarde demais", aponta Rúben Alves, explicando que se devia prestar mais atenção "a indicadores como o não pagamento de propinas ou o insucesso escolar". "Há que criar mecanismos para perceber se o estudante está em risco. Não nos podemos dar ao luxo de perder estas pessoas", alerta, por seu lado, o presidente da Associação Académica de Coimbra, Ricardo Morgado.

Perante este cenário, e os "muitos pedidos de ajuda" que a federação de estudantes do privado tem recebido, Joel Pereira propõe-se mesmo a criar "um fundo de emergência", para acorrer aos pedidos mais urgentes, e "uma plataforma de aproximação entre empresas, instituições e alunos" (para motivar os estudantes que ponham o abandono como hipótese por temer a falta de empregabilidade).

Já o Governo vai lançar, com financiamento europeu, o programa Retomar, que pretende financiar com bolsas o regresso aos estudos de quem tenha deixado o ensino superior, nos últimos anos, por motivos económicos.