Por Marta F. Reis, in iOnline
Grupo K nega discriminação e pondera avançar com processo contra o atleta. APAV recebeu 88 denúncias em 2013 mas poucas vítimas avançam com queixa formal
O episódio de discriminação relatado pelo atleta Nelson Évora na discoteca Urban Beach, em Lisboa, está a gerar uma onda de indignação nas redes sociais com vários utilizadores a denunciarem a página do estabelecimento no Facebook por conteúdo ofensivo. Évora relatou na internet ter sido barrado à entrada da discoteca no dia 19 de Abril por haver "demasiados pretos" no seu grupo. O grupo K, que gere o estabelecimento, nega qualquer atitude racista e garante que nessa noite o grupo não entrou por não ter a "indumentária exigida pela casa", disse ao i o gerente Ricardo Montenegro. "Ninguém falou em pretos. O que o porteiro disse foi: há aqui pessoas que não estão de acordo com a casa. Não houve bocas, não houve nada", garante, sublinhando que a "selecção à porta" decorre do facto de o espaço ter capacidade para 2000 pessoas e ser procurado por mais. Além do "dress code", refere, é dada prioridade a clientes da casa.
Ontem o i procurou sem sucesso contactar o atleta que, em declarações à Lusa, manteve a denúncia, sublinhando que em 23 anos a viver em Portugal nunca tinha sentido discriminação. Também Francis Obikwelu, que estava no grupo, confirmou o sucedido e acusa a empresa de estar a mentir e a "brincar com a cara das pessoas", disse ao "Público".
A empresa, que na segunda-feira publicou online uma resposta ao atleta onde mostrava surpresa pela acusação mas admitia que a situação pudesse ter ocorrido, refuta-a agora por completo e diz estar a ponderar avançar com um processo de difamação, pelo prejuízo causado. Montenegro fala de tentativa de protagonismo por parte de Évora, já que o atleta esteve outras vezes no estabelecimento e o relato surge uma semana depois, sem ter havido queixa. O gerente vê o caso como um "aproveitamento" do movimento de apoio ao jogador brasileiro do Barcelona Daniel Alves, no domingo alvo de um insulto racista quando adeptos rivais lhe atiraram uma banana. Na imagem que acompanha o relato no Facebook, Évora segura uma banana, a reacção do lateral que se tornou símbolo antiracista e tem sido repetida por várias personalidades. "Se Nelson Évora metesse uma fotografia sem ser com uma banana nem 200 likes tinha", diz Montenegro.
Ontem o relato de Évora tinha tido o apoio de 50 mil utilizadores. O i tentou perceber se o episódio vai ser averiguado pelas autoridades, já que na lei portuguesa actos racistas podem configurar crime ou contra-ordenação. Nem o Ministério Público nem o Alto Comissariado para as Migrações, responsável por sanções por práticas discriminatórias como insultos ou recusas de acesso, responderam.
Joana Menezes, da APAV, sublinhou ao i que embora situações de discriminação racial continuem a ocorrer, poucas vezes são formalizadas queixas. "Existe receio de represálias mas também a percepção de que os processos são morosos e não vale a pena. São importantíssimas, nem que se seja porque quanto mais queixas forem apresentadas maior é noção que temos do racismo em Portugal", disse a psicóloga, sem comentar o caso. Em 2013 a associação recebeu 88 denúncias de discriminação racial, sexual e religiosa, mais oito que em 2012. Destas, 22 poderiam configurar crime e 66 contra-ordenações, punidas com coimas até dez vezes o salário mínimo e penas como suspensão de alvarás. Dominam os insultos e recusas de acesso ou serviço, havendo casos em bares ou serviços públicos como correios e unidades de saúde. Outras situações frequentes são recusas no aluguer de casa.