15.4.14

Conferência. Soares sobre Eanes: "Votei duas vezes nele"

in iOnline

Os três ex-presidentes da República estiveram juntos num encontro histórico para falar sobre os 40 anos da revolução. O momento do país é difícil, mas é preciso não esquecer as conquistas de Abril


O país enfrenta a maior crise social dos últimos 40 anos, a riqueza encolheu vários pontos desde o início do resgate e a dívida pública escalou para 130% do PIB em três anos. Mas, para os três ex-presidentes da República, continua a valer a pena ter feito o 25 de Abril de 74.

Juntos na Fundação Calouste Gulbenkian para falar sobre a Revolução dos Cravos, quatro décadas depois, Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio foram poupados nas palavras quando o debate passou por perceber o que trouxe Portugal ao terceiro resgate externo desde 1974. Mas foi o general quem primeiro ensaiou um caminho futuro, ao considerar que é preciso encontrar um "pacto" alargado e uma "estratégia" nacional para sair da crise, sem pôr em causa a "solidariedade" e a "unidade popular".

Eanes considera que foi a falta de um "norteamento estratégico" para o pós-Revolução que acabou por conduzir o país a um novo pedido de ajuda externa. "Navegámos à vista e conseguimos realizações extraordinárias, mas conseguimo-lo gastando mais do que produzíamos".

Aqui chegados, para onde seguimos? Agora é preciso parar para "pensar", diz Eanes. Contido, é quando fala na falta de esperança com que se depara nas ruas que Eanes se solta, por momentos, da postura sóbria que o define. "Os homens da minha geração não acreditam que haja futuro neste país? É preciso um grande esforço para que a unidade se mantenha", alerta o general. Aos aplausos do público juntam-se os de Mário Soares, quando o general fala no "nível de desempregados", na "miséria" e nos portugueses que passam hoje fome, "que é uma coisa que não se devia permitir".

Antes, o primeiro chefe de Estado eleito em democracia já tinha sido surpreendido por Soares. "Tenho muita consideração pelo presidente Eanes, votei duas vezes nele", confessou o socialista. "É evidente que tivemos pegas, mas isso não é o relevante", acrescentou Soares.

O também ex-primeiro-ministro falou nos "altos e baixos" da democracia, mas destacou a "paz" e a descolonização feita com "uma rapidez extraordinária" como momentos fundamentais dos últimos quarenta anos. "Não me perguntem se valeu a pena", disse, por diversas vezes, Mário Soares, depois de citar o poema de Sophia de Mello Breyner sobre o 25 de Abril.

O encontro de ontem foi, sobretudo, uma lição de história dada na primeira pessoa pelos protagonistas que estiveram na linha da frente da decisão política da democracia portuguesa. Mas houve espaço para olhar o futuro do país, a um mês e meio do fim do programa de assistência financeira.

E, nesse ponto, Ramalho Eanes defendeu a necessidade de um "pacto" para a reforma do Estado". Sem fazer referências a partidos e sem arriscar o desenho de eventuais coligações partidárias para depois de 2015, o general colocou a tónica na preservação do Estado social. Porque, "sem ele", diz, "o pluralismo indiscutível e aceite, a tolerância que conduz à paz social, o confronto político aberto, tudo isso está em perigo".

É a esse panorama actual - não apenas português como também europeu - que Jorge Sampaio se refere quando diz que "para as sociais-democracias é um momento de grande desafio" pensarem que políticas defender "para uma sociedade contemporânea em permanente mutação". O socialista evita falar em pactos, entendimentos ou compromissos - "já estou queimado com a palavra" -, mas arrisca um novo enquadramento da acção governativa no país, não de cima para baixo, mas "de baixo para cima". Os responsáveis políticos devem sentar-se à mesma mesa e discutir que Portugal querem ter nas próximas duas décadas.

E, tal como Ramalho Eanes, Jorge Sampaio põe a tónica na defesa do Estado social, para que o país possa "dar o salto" e fazer com que "a desigualdade e pobreza não sejam tão chocantes". Há "novos horizontes de que precisamos seriamente" e o horizonte para Portugal, neste momento, passa por dedicar mais esforços ao aprofundamento do projecto comunitário a que o país aderiu em 1986. "É preciso ver mais longe - porque o nosso lugar é na Europa" e porque "sozinhos não vamos a lado nenhum".