André Manuel Correia, in Expresso
Esta quarta-feira assinala-se o Dia Mundial da Bicicleta e, em declarações ao Expresso, o presidente da Federação de Cicloturismo defende que “os centros urbanos não são para automóveis”. Mas o caminho para pedalar de forma segura em Portugal ainda é longo e “o atropelamento de ciclistas é muito elevado”
A pandemia parou o mundo, mas a sociedade aproxima-se lentamente da meta de um novo normal. A terceira fase de desconfinamento em Portugal começou esta semana e “as pessoas estão a vir para a rua com a bicicleta”. Quem o diz, ao Expresso, é José Manuel Caetano, um homem que tem “a idade do espírito, mas não a do físico”, cheio de pedalada para presidir há mais de 20 anos à Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB), associação com aproximadamente 37 mil associados. Os veículos a pedal para uso citadino lideram o pelotão da procura e a camisola amarela pertence às mulheres, “as que estão a aderir mais”, complementa o dirigente.
Esta quarta-feira assinala-se o Dia Mundial da Bicicleta e José Manuel Caetano apela a uma “mobilidade inteligente”, de modo a encabeçar uma fuga ao grupo perseguidor repleto de trânsito e stress, além de premiar o exercício físico e um modo de vida mais sustentável.
“O conselho que dou é que as pessoas tenham uma bicicleta no carro”, recomenda o presidente da FPCUB, tal como costuma fazer nas deslocações de casa para o escritório. “Tenho dentro do meu uma bicicleta muito pequena e dobrável. Desloco-me até onde tenho de ir e, quando se complica a circulação dentro da cidade, largo o carro e lá vou eu à minha vidinha sentado no selim”, conta o responsável. “Não faz sentido usar o automóvel para tudo e para nada. E essa cultura ainda está muito enraízada em Portugal”, lamenta, acrescentando que “a bicicleta ainda continua a ser vista como um objeto estranho que está ali a ocupar espaço”.
Tal preconceito, explica, tem um contexto histórico. “O Estado Novo incutiu no povo a ideia de que ter um automóvel era sinónimo de estatuto e ascensão social. Quem começava a ganhar algum dinheiro fazia logo duas coisas: comprar um carro, de preferência um Mercedes, e um relógio Rolex”, recorda o dirigente, que garante não ter “nada contra automóveis”: “atenção, eu sou contra todos os veículos motorizados”, atira, entre risos.
“A educação tem de começar na escola”, pois “a bicicleta é o melhor veículo existente para pequenas distâncias citadinas”, ideal para “ir às compras ou buscar o jornal”, enfatiza José Manuel Caetano. Ainda assim, reconhece que nem sempre é fácil. Embora “quase toda a gente tenha uma bicicleta em casa, parada a ganhar pó”, também é verdade que “a maior parte das pessoas que trabalham nas cidades vêm da periferia”.
“O atropelamento de ciclistas é muito elevado”
Outros obstáculos entram nesta equação. “O atropelamento de ciclistas é muito elevado”, assevera José Manuel Caetano. “Os condutores continuam a atropelar ciclistas, fogem, porque muitas vezes nem seguro têm, vão a tribunal e não lhes acontece nada”, acrescenta o presidente da FPCUB, para quem é necessário alterar o Código da Estrada, ajustando-o ao exemplo de outros países. “Alguém que se livre de tocar num ciclista ou num peão nos Estados Unidos”, onde já pedalou por todo o estado da Florida e onde marcas como a Ford apostam fortemente no desenvolvimento de bicicletas. “A Ford já sabe que os centros urbanos não são para automóveis”, afirma.
“As velocidades têm de baixar e tem de ser retirada a carta a quem vir no ciclista um alvo a atingir”, reivindica. “Pedimos que o Código da Estrada, tal como acontece nos EUA, obrigue a que um automobilista, ao avistar um ciclista ou um peão, deva automaticamente abrandar”, complementa José Manuel Caetano.
Uma quarentena cheia de pedalada
A quarentena imposta pela pandemia tornou, subitamente, o mundo num paraíso para quem gosta de pedalar, com ruas despidas do ronco dos motores. Em Copenhaga, conhecida como a capital da bicicleta, as vendas duplicaram nos meses de abril e maio, comparativamente com o período homólogo de 2019. Também em abril, nas terras de Sua Majestade, a associação britânica de retalhistas contabilizou 67 milhões de euros gastos em bicicletas.
Já na Suíça, o número de quilómetros percorridos aumentou 175% em março. No mesmo mês, mas do outro lado do Atlântico, a prática de ciclismo acelerou 151% no estado de Filadélfia, por exemplo, enquanto o recurso a bicicletas partilhadas cresceu 67% entre os nova-iorquinos.