Rosália Amorim, in Dinheiro Vivo
A pobreza energética poderá, finalmente, entrar na agenda do governo. É preciso focar na fraca qualidade das casas em vez de apontar o dedo ao sector da energia, defende o CEO da EDP.
A conversa decorreu em Nova Iorque, em abril de 2017, antecipando a necessidade de ser criado um instrumento para melhorar o conforto térmico das casas, de pelo menos 2 milhões de portugueses que vivem em situação económica vulnerável. O jornal Público revela hoje que o governo tem, finalmente, em mãos a análise deste instrumento e que o combate à pobreza energética poderá custar qualquer coisa como 348 milhões de euros.
De acordo com uma escala europeia, o nível de conforto das habitações nacionais, construídas antes de 2016, é o mais baixo entre as europeias. São raros os habitantes dessas residências que conseguem estar dentro de casa sem estar recorrentemente a utilizar aquecimento ou arrefecimento. A construção de fraca qualidade salta à vista em Portugal.
António Mexia, que tinha acabado de ser nomeado chairman do SE For All, organização cujo objetivo é levar energia sustentável e acessível a todos, revelava então ao Dinheiro Vivo e TSF as tendências e a estratégia que iria, marcar o futuro da energia. Recordamos aqui algumas perguntas essenciais acerca do tema da pobreza energética e do que poderia já ter sido feito, nos últimos três anos.
No centro das preocupações da SE For All e do gestor português estavam e ainda está, levar energia acessível a todos numa altura em que mil milhões de pessoas continuam sem ela. O objectivo é atingir a meta até 2030. Meta ambiciosa, concorda?
É de facto um número chocante. Há mais de mil milhões de pessoas, ou seja, uma em cada sete, sem acesso à energia, afetando toda a sua vida, dos seus descendentes, e gerações, se esse problema não for remediado. Também é chocante porque há soluções. A tecnologia, como em tudo, vai à frente daquilo que são as próprias empresas, instituições políticas, organizações internacionais. E vai à frente da vontade, infelizmente. O discurso existe, mas não se materializa em coisas concretas que permitam resolver os problemas.
É de facto um número chocante. Há mais de mil milhões de pessoas, ou seja, uma em cada sete, sem acesso à energia, afetando toda a sua vida, dos seus descendentes, e gerações, se esse problema não for remediado. Também é chocante porque há soluções. A tecnologia, como em tudo, vai à frente daquilo que são as próprias empresas, instituições políticas, organizações internacionais. E vai à frente da vontade, infelizmente.
O discurso existe, mas não se materializa em coisas concretas que permitam resolver os problemas. E há falta de vontade política?
É um puzzle com muitas peças que é preciso juntar. Tem que ver com vontade política, enquadramento legal e regulatório. No fundo, a capacidade de atrair capital e investimento para qualquer coisa onde a tecnologia já dá hoje soluções muito competitivas. O acesso à energia, à energia renovável e à eficiência energética, costumo dizer a brincar, que são as três faces da mesma moeda. Hoje, discutir eficiência energética é essencialmente discutir utilizações inteligentes, a digitalização e a descentralização da geração ajudam particularmente nessa questão, e em último vem então a discussão deste acesso a 1,1 mil milhões de pessoas. Para termos uma ideia, por cada dólar, ou euro, investido na África Subsariana, o impacto seria de 15 dólares. Ou seja, é dos investimentos mais rentáveis. Se se der às pessoas acesso à energia e se completar isso com um telemóvel, está-se a ter um papel ativo na sociedade e está-se a conseguir dar às suas famílias condições de vida que lhes permitam depois acesso à cadeia de saúde, educação, etc. Esta é uma questão absolutamente indispensável.
O grosso destes 1,1 mil milhões de pessoas está em África e o resto na Ásia e na América Latina – e a EDP tem sido verdadeiramente consistente nesta adoção de eficiência energética, a prioridade número um, renováveis e acesso à energia. As várias fases de privatização deram ao Estado vários mil milhões de euros de receitas. O que foi feito a esse dinheiro e como depois foi utilizado? O PS pediu ao regulador que compare as tarifas de energia do mercado regulado com o liberalizado.
Se, em função das conclusões, voltássemos a um mercado regulado, seria um grande retrocesso?
A liberalização foi positiva para todos os clientes e muito particularmente para os industriais, mas também para os residenciais. Sabe que às vezes é preciso contar a história outra vez quando ela é boa, e portanto não tenho dúvidas que a liberalização correu bem em Portugal e foi mais rápida do que em outros países da Europa. Todos os países da Europa que liberalizaram reconheceram os méritos dessa liberalização. Isto porque traz concorrência. Neste momento há dezenas de operadores em Portugal a oferecer energia e os seus serviços quer aos industriais quer às pessoas em casa. A EDP gosta de concorrência.
Pode chegar-se à conclusão que as tarifas eram mais baixas no mercado regulado? Quando temos concorrência, obriga a quem está no mercado, e que já não está sozinho, a descer as suas margens. Não se pode é confundir com tempos em que o preço da energia era controlado, quando foi criado o défice tarifário. Hoje as pessoas gastam mais ou menos metade em energia do que gastam em telecomunicações, e muito menos do que gastam em transportes. E eu gostaria que se discutisse também a habitação. Hoje em dia, o que Portugal gasta em habitação é 10 vezes menos do que gasta a média da Europa. O problema do aquecimento não tem a ver com o preço da eletricidade, que aliás, em Portugal está alinhado com a Europa. O problema é que as pessoas vivem em casas que algumas delas são inaceitáveis. Que não se use este sector como bode expiatório.