Ana Brito, in Público on-line
Estratégia de longo prazo para a renovação dos edifícios estima necessidade de investimentos de 7,67 mil milhões de euros até 2040 só para melhorar conforto térmico nas casas de dois milhões de portugueses em situação vulnerável.
O Governo tem em mãos um instrumento que calcula, pela primeira vez, o investimento que seria necessário para “apoiar de forma considerável a mitigação da pobreza energética em Portugal”.
Para fazer o isolamento térmico de fachadas e coberturas, e substituir vãos envidraçados por caixilhos de PVC com vidro duplo nos edifícios onde moram os cerca de dois milhões de portugueses que se estima viverem em situação de precariedade energética, seriam necessários investimentos totais de 7671 milhões de euros até 2040 – ou 384 milhões de euros por ano –, já a partir deste ano.
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As contas foram feitas por um grupo de trabalho composto por elementos da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), da Agência para a Energia (Adene) e do Instituto Superior Técnico (IST) e estão na Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE), que esteve recentemente em consulta pública, e que é um dos instrumentos de política de energia e clima que o país está obrigado a apresentar à Comissão Europeia.
“A ELPRE analisa as necessidades energéticas e o conforto térmico do parque de edifícios em Portugal, assim como o seu potencial impacto em termos de co-benefícios [por exemplo, menores despesas com a saúde e maior produtividade, por menos faltas por doença] e impacto económico”, sintetizou ao PÚBLICO o Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC).
“O modelo de simulação assume que 100% do parque de edifícios existentes em 2018 seria reabilitado até 2050” e descreve “o que será necessário fazer para alcançar esse objectivo”, acrescenta o ministério, dizendo que é preciso olhar para os números apresentados neste exercício numa “perspectiva macro, com vista à identificação das necessidades de investimento e ao apuramento dos respectivos mecanismos de resposta”.
No total, a ELPRE prevê a necessidade de investimentos totais de 144 mil milhões de euros (dos quais 110 mil milhões especificamente para habitações) na “transformação rentável dos edifícios existentes em edifícios com necessidades quase nulas de energia” até 2050. Estabelece um “roteiro com medidas de melhoria” para alcançar esse “parque imobiliário descarbonizado e de elevada eficiência energética” e considera que as poupanças em aquisição de energia permitirão, “ao fim de 30 anos”, um retorno do investimento de 112 mil milhões de euros nos edifícios residenciais e de 109 mil milhões nos edifícios não residenciais.
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Dois milhões de pobres
Com base na programação de medidas sugerida pelo documento (ainda sem data conhecida de apresentação), deveriam ser efectuadas até 2040, no conjunto das habitações portuguesas, todas as modificações ao “nível da envolvente térmica dos edifícios”, o que exigiria investimentos totais de 40.373 milhões de euros.
Intervir na chamada “envolvente passiva” dos edifícios permitiria aumentar o nível de “conforto interior das habitações sem necessidade do aumento do consumo de energia” e dos encargos que isso representa, pelo que os autores da ELPRE destacam a importância destas medidas para as camadas mais desfavorecidas da população.
A “precariedade energética” é, segundo a Comissão Europeia, “o resultado de uma combinação de baixos rendimentos, despesas energéticas elevadas e mau desempenho energético das habitações”. Embora não se saiba ao certo quantos portugueses estão nesta situação, nas respostas ao inquérito anual do Eurostat sobre a capacidade de manter a casa convenientemente aquecida, 19% dos respondentes reconhecem não o conseguir.
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É esse universo de dois milhões de portugueses que a ELPRE considera como potencialmente vivendo em situação de pobreza energética (é também este o número aproximado de pessoas que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, vive em risco de pobreza ou exclusão social).
Segundo o cronograma, até 2030, as medidas de melhoria do conforto térmico seriam aplicadas aos edifícios residenciais de pior desempenho (as habitações construídas antes de 1990, que são 65% do parque de alojamentos residenciais existentes em 2018), e depois, até 2040, aos restantes edifícios residenciais construídos até 2016 (totalizando perto de 100% do total), num total de 3,8 milhões de alojamentos (excluindo as segundas habitações e aquelas que estão vazias).
Dinheiros de Bruxelas
A ELPRE (um guia para ajudar o país a cumprir as metas de redução de emissões e de eficiência energética previstas no Plano Nacional de Energia e Clima 2030 e no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050) ganha especial importância num contexto em que Bruxelas se prepara para apresentar (em Setembro) um plano de medidas para estimular uma “vaga de renovação” de edifícios. O objectivo da Comissão é, no mínimo, duplicar a taxa de renovação de edifícios, contribuindo em simultâneo para as metas ambientais e para a recuperação económica.
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Como é que o país será capaz de mobilizar os investimentos previstos na ELPRE? Tratando-se de uma estratégia de longo prazo (até 2050), ainda “terão de ser identificadas e avaliadas as necessidades imediatas e os critérios de orientação dos investimentos públicos”, disse o MAAC ao PÚBLICO. O ministério entende que “boa parte das necessidades de investimento registar-se-á no plano” da “evolução normal” do mercado, ou seja, da iniciativa privada.
Existem já “vários mecanismos de apoio, nacional e europeu, para a renovação de edifícios”, e Bruxelas também irá lançar um Fundo Europeu de Financiamento para a Renovação, que “deverá contar com 91 mil milhões de euros por ano, podendo inclusive atingir a marca dos 350 mil milhões de euros mediante a sua combinação com outras fontes de financiamento”, referiu o ministério liderado por João Pedro Matos Fernandes.
Na ELPRE são mencionadas como potenciais fontes de financiamento o Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos (POSEUR), os Programas Operacionais Regionais, o Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas e o Fundo de Eficiência Energética, entre outras.
No plano de recuperação de 750 mil milhões de euros apresentado na quarta-feira pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, refere-se que os fundos deste novo instrumento de recuperação e resiliência (baptizado como “Próxima Geração UE”) podem ser usados pelos Estados-membros no financiamento de medidas de renovação dos edifícios, “em linha com as prioridades” identificadas no semestre europeu ou nos respectivos planos de energia e clima. “Isto ajudará a poupar na factura energética, a garantir melhores condições de vida e a reduzir a pobreza energética”, refere a comunicação da Comissão sobre o novo fundo, que tem ainda de ser aprovado pelos Estados-membros e que pode garantir a Portugal um envelope de 26 mil milhões, entre subsídios e empréstimos.
Cheques e subsídios
O MAAC destaca que a concretização dos objectivos da ELPRE “beneficiará da implementação de outros instrumentos nacionais, como a Estratégia Nacional para Combate à Pobreza Energética”, que ainda não começou a ser preparada.
Para dar resposta às situações de pobreza energética, a ELPRE diz que é preciso apoiar “as famílias mais vulneráveis na reabilitação das suas casas”, ajudando-as a reduzir os encargos com os fornecimentos de electricidade e água.
Sugere “a disponibilização de financiamento e benefícios fiscais para quem reabilita” e que se abram “os apoios financeiros a entidades facilitadoras locais (por exemplo, municípios, serviços de energia ou de construção, cooperativas de renovação) que levem a cabo projectos de renovação onde vivam famílias com baixos rendimentos”.
Para aumentar as condições de conforto das habitações, admite a “atribuição de cheques-energia para famílias com baixos rendimentos” que suportem os investimentos em eficiência energética e que se estude o “alargamento da atribuição da tarifa social” a situações de pobreza energética, incluindo nos critérios de atribuição a qualidade do edificado e a região climática. Também refere a “atribuição de subsídios” para a compra de bombas de calor ou painéis solares para aquecimento de águas e para a substituição de torneiras, chuveiros e autoclismos por outros mais eficientes.