3.11.20

Saúde mental no trabalho em tempos de pandemia

por BRANDS' PESSOAS, in EcoSapo

Helga Piçarra, Consultora Senior EY, People Advisory Services, fala de várias iniciativas que os líderes podem tomar para quebrar o tabu da saúde mental nas empresas.

O ano de 2020 tem revelado ser um ano atípico em muitos sentidos, trazendo uma nova realidade, novas formas de trabalhar e de viver e, consequentemente, novos desafios.

Se por um lado o número de pessoas infetadas com Covid-19 cresce a ritmo acelerado, em paralelo cresce também, e cada vez mais, o número de diagnósticos de pessoas com problemas de saúde mental.

O isolamento, perda de entes queridos, a incerteza de como serão os próximos tempos, são preocupações muito reais nesta fase, a que as pessoas estão a aprender a adaptar-se para que consigam manter o mínimo de normalidade nas suas vidas, mas que trazem potenciais riscos acrescidos no domínio da saúde mental. Entretanto, pesquisadores defendem que, em todas as grandes transformações que o mundo atravessou em tempos recentes, desde recessões económicas a doenças que atingiriam uma escala elevada, o medo da perda do emprego é de facto uma das maiores preocupações das pessoas, pois acarreta uma grande apreensão de sustentabilidade financeira, que pode causar elevados níveis de stresse, ansiedade e até mesmo depressão.

Apesar da maioria das empresas ter abraçado novas formas de trabalhar, desde o trabalho remoto, trabalho por turnos, alteração de horários de trabalho – a verdade é que este receio é um receio real para muitos.

Os líderes terão, para além das suas funções de motivação, gestão, etc., de lidar com pessoas a enfrentar vários desafios de saúde mental, que poderão variar de acordo com o tipo de trabalho, responsabilidades familiares, status de cidadania (por exemplo: emigrantes), situação económica…

Nesta senda, é importante reforçar a importância de a liderança promover apoio à saúde mental dos seus colaboradores, quer a empresa esteja em trabalho remoto, quer esteja em trabalho presencial. Este apoio, que deve começar por uma preocupação real com o bem-estar dos trabalhadores e com a monitorização desse fator, passa também por quebrar o tabu da saúde mental nas empresas.

De forma a ajudar a quebrar o estigma e apoiar discussões sobre a saúde mental, dentro das organizações, os líderes podem considerar as seguintes iniciativas:
Vulnerabilidade. Ao ser vulnerável, o líder mostra à sua equipa que, essencialmente, também é uma pessoa, com sentimentos e preocupações. A Covid-19 mostrou-nos – reforçou-nos! – que somos todos humanos e ninguém, independentemente do seu status económico ou posição de liderança, está imune.
Flexibilidade. Flexibilidade é facilmente traduzida por empatia. As pessoas estão a passar por dificuldades diferentes, pois têm realidades diferentes. Neste sentido é importante manter uma comunicação clara e consistente com cada um dos membros da equipa de forma a perceber por que dificuldades estão a atravessar. Nestes tempos, é impossível ter uma solução “one fits all”, mas podemos garantir que as pessoas não se sintam sozinhas, oprimidas ou desvalorizadas.
Cultura organizacional. Sendo a cultura organizacional o ADN de uma empresa, o conjunto de valores e comportamentos que identificam uma determinada empresa, é cada vez mais urgente incorporar e promover discussões sobre temas ligados à saúde mental no trabalho, como burnout, esgotamento, stresse. Campanhas de partilha sobre a saúde mental, conversas e discussões abertas entre os colaboradores e a liderança, podem servir como ferramentas poderosas para criar uma cultura organizacional onde as pessoas cuidam de si intencionalmente, com a criação de políticas e processos mais inclusivos e diversificados.

Quebrar a rotina de trabalho. Apesar de termos todos uma vida fora do ambiente de trabalho, não nos podemos esquecer que enquanto humanos, somos seres sociáveis e que necessitamos de interação. Sendo que passamos cerca de 8h por dia a trabalhar, de vez em quando sugerir um almoço em equipa ou mesmo até um happy hour, pode ajudar a quebrar o gelo e a tensão entre a relação líder-colaborador.
Rede de Apoio. Hoje em dia já há organizações que já promovem aos seus colaboradores visitas a psicólogos, sessões e mindfullness e yoga, e outras práticas que auxiliam na batalha contra problemas mentais. Pesquisas defendem que, atividades de responsabilidade social corporativa, além de fomentar um maior engagement entre os colaboradores e a empresa, também ajudam a criar um senso de conexão com a comunidade, o que torna as pessoas mais felizes e úteis. Adicionalmente, as empresas podem reforçar a comunicação com os colaboradores, partilhando contactos de centros de apoio para as mas diversas situações: contactos de psicólogos, centros de apoios para tratamento de doenças, hospitais, etc.

O mundo nunca mais será o mesmo e a saúde mental das colaboradores precisa de ser uma prioridade para as empresas. Não nos devemos esquecer que, apesar dos títulos e cargos, somos todos seres humanos a viver tempos complexos e muitas das vezes só precisamos que alguém nos ouça e nos diga “vai ficar tudo bem”.