Advogados consideram que o Governo deveria especificar que pagamento de despesas inerentes ao teletrabalho é obrigação dos empregadores. Acréscimo de gastos de electricidade é um dos casos.
O teletrabalho volta a ser obrigatório em 121 concelhos de maior risco de contágio do novo coronavírus, mas há um conjunto de questões laborais que continuam a ser pouco claras e ameaçam ser um ponto de fricção entre empregadores e trabalhadores. Um desses casos tem que ver com o pagamento das despesas inerentes ao trabalho à distância, que, na opinião de especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, deveria ficar cristalino, por ser uma responsabilidade das empresas.
O diploma do Governo que enquadra a obrigação de as empresas adoptarem o regime do teletrabalho se estiverem situadas nos concelhos com maior risco foi publicado num suplemento ao Diário da República de terça-feira, depois de, já à noite, o Presidente da República ter anunciado que promulgara o decreto-lei. Apesar de a obrigação de adopção daquele regime já estar prevista num outro texto legal – na Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020 publicada na noite de segunda-feira, pois aí ficou definido que as empresas teriam de tornar obrigatório o teletrabalho a partir das 0h do dia 4 de Novembro “nos termos da lei” —, essas regras específicas demoraram a ser conhecidas (ainda não tinham sido publicadas ontem até às 22h e só o foram mais tarde).
Apenas era pública a intenção do Governo, dada a conhecer aos parceiros sociais, de criar um enquadramento que procura resolver determinados problemas que se colocam quando um empregador alega que não tem condições para aplicar o teletrabalho. Mas no decreto-lei o Governo optou por não identificar de forma expressa a quem cabe o pagamento de algumas despesas inerentes ao teletrabalho, nem especificar como é que o trabalhador deve proceder para as reclamar.
Com o teletrabalho, há um conjunto de despesas que se transferem da empresa para o espaço doméstico, podendo haver um aumento dos consumos de electricidade, de água ou haver encargos adicionais com a Internet.
O decreto-lei estabelece que o empregador “deve disponibilizar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários” para que os trabalhadores possam estar em teletrabalho. Quando tal não seja possível e o trabalhador consinta, o teletrabalho pode ser realizado através dos meios que o trabalhador detenha “competindo ao empregador a devida programação e adaptação”.
Para Gonçalo Delicado, advogado na área do direito laboral na sociedade Abreu Advogados, nos equipamentos a disponibilizar pela empresa devem incluir-se a Internet (pois pode ser entendido como um equipamento de comunicação), uma mesa de trabalho, uma cadeira, o computador, uma impressora ou os consumíveis relacionados, por exemplo. “Se um trabalhador não tiver uma cadeira ou uma secretária para trabalhar em casa em condições que entende que são as necessárias para a prestação da actividade, pode solicitá-las ao empregador”, exemplifica, para sublinhar que, nalguns casos, pode não bastar à empresa entregar os equipamentos ao trabalhador para estarem garantidas “as condições necessárias” para a prestação da actividade.
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A lei geral
Já quanto aos casos em que o teletrabalho implique maiores consumos de electricidade e água face ao que a pessoa gastaria na sua habitação se não estivesse em casa durante todo o dia, Gonçalo Delicado refere que se enquadra o que está previsto no artigo 168.º do Código do Trabalho, no qual se prevê que “na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respectivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”. Para isso, diz o advogado, o trabalhador deve reclamar o pagamento dos custos acrescidos, devendo provar que esse aumento “advém” do exercício da actividade em teletrabalho.
Esse pode ser, no entanto, um factor de fricção entre trabalhador e empresa. Pedro da Quitéria Faria, sócio da Antas da Cunha Ecija & Associados, nota que a proposta de diploma (entretanto confirmada na versão publicada em Diário da República) não diz de forma expressa a quem compete pagar as despesas relacionadas com o teletrabalho. “Assim sendo, resta-nos proceder à aplicação do previsto no Código do Trabalho”.
Perante isto, o advogado entende que o trabalhador deverá “mensalmente apresentar prova documental indiscutível dessas despesas e que as mesmas são inerentes ao teletrabalho”. De qualquer forma, alerta, há muitas questões que continuam em aberto e que podem dificultar todo o processo: “Qual o valor mensal? Qual o limite? Como se consegue apurar com certeza o valor despendido pelo trabalhador por se encontrar em teletrabalho quando estamos a falar da luz, por exemplo?”.
Para Quitéria Faria, o Governo poderia “ter deixado absolutamente cristalino o que se pretende, em detrimento de se criarem eventuais divergências interpretativas que a ninguém beneficia, promovendo, ao invés, uma litigância indesejável sobre esta matéria”.
Raquel Caniço, da Caniço Advogados, também entende que o pagamento das despesas é uma obrigação da entidade empregadora, “proporcionando os meios necessários para o exercício da sua função”. Porém, reconhece, a lei devia esclarecer essa questão, “de forma a que tanto as entidades empregadoras como os trabalhadores compreendam o regime”.
Já quanto aos casos em que o teletrabalho implique maiores consumos de electricidade e água face ao que a pessoa gastaria na sua habitação se não estivesse em casa durante todo o dia, Gonçalo Delicado refere que se enquadra o que está previsto no artigo 168.º do Código do Trabalho, no qual se prevê que “na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respectivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”. Para isso, diz o advogado, o trabalhador deve reclamar o pagamento dos custos acrescidos, devendo provar que esse aumento “advém” do exercício da actividade em teletrabalho.
Esse pode ser, no entanto, um factor de fricção entre trabalhador e empresa. Pedro da Quitéria Faria, sócio da Antas da Cunha Ecija & Associados, nota que a proposta de diploma (entretanto confirmada na versão publicada em Diário da República) não diz de forma expressa a quem compete pagar as despesas relacionadas com o teletrabalho. “Assim sendo, resta-nos proceder à aplicação do previsto no Código do Trabalho”.
Perante isto, o advogado entende que o trabalhador deverá “mensalmente apresentar prova documental indiscutível dessas despesas e que as mesmas são inerentes ao teletrabalho”. De qualquer forma, alerta, há muitas questões que continuam em aberto e que podem dificultar todo o processo: “Qual o valor mensal? Qual o limite? Como se consegue apurar com certeza o valor despendido pelo trabalhador por se encontrar em teletrabalho quando estamos a falar da luz, por exemplo?”.
Para Quitéria Faria, o Governo poderia “ter deixado absolutamente cristalino o que se pretende, em detrimento de se criarem eventuais divergências interpretativas que a ninguém beneficia, promovendo, ao invés, uma litigância indesejável sobre esta matéria”.
Raquel Caniço, da Caniço Advogados, também entende que o pagamento das despesas é uma obrigação da entidade empregadora, “proporcionando os meios necessários para o exercício da sua função”. Porém, reconhece, a lei devia esclarecer essa questão, “de forma a que tanto as entidades empregadoras como os trabalhadores compreendam o regime”.
Subsídio levanta dúvidas
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Outra questão que suscita dúvidas tem que ver com o pagamento do subsídio de refeição. O decreto-lei deixa clara a obrigatoriedade de pagamento do subsídio que já fosse devido ao trabalhador. Porém, nada diz quanto a outras situações — em que o trabalhador tem acesso a refeições gratuitas ou de preço reduzido na cantina da empresa, por exemplo, e se também nestes casos deve haver o pagamento de um montante.
Embora o decreto-lei não aborde estas situações, Pedro da Quitéria Faria entende que “no espírito do legislador estará também o direito a que um trabalhador nessas circunstâncias tenha direito a um pagamento, na medida em que as refeições gratuitas significam um pagamento em espécie equivalente a um subsídio de refeição”.
Porém, e assumindo que o trabalhador deve receber pagamento, continua a haver dúvidas sobre o valor a pagar. “É defensável que na ausência de valor estipulado para trabalhadores presenciais, tal valor possa ser equiparado ao que se paga os trabalhadores em regime função pública, no valor de 4,77 euros. Isto, evidentemente, se outro montante não existir para os trabalhadores dessa empresa que continuarão a exercer a sua laboração presencialmente com o normal pagamento mensal do subsidio de refeição, sendo que nesse caso, pelo princípio da igualdade, o valor do subsídio deverá aquele que é pago aos colegas que desempenham trabalho presencial”, defende o especialista em legislação laboral.
Posição semelhante tem a advogada Raquel Caniço. Nos casos em que tinha direito a refeições fornecidas pelo empregador ou a um preço reduzido, ao passar para teletrabalho, o trabalhador “deverá receber igualmente a refeição, mas agora sob a forma de subsídio, na medida em que não pode aceder à empresa, ao seu refeitório ou cantina, tal como acontece com os trabalhadores que trabalham no exterior de uma empresa”, afirma.
Pedro da Quitéria Faria admite que pode haver posições diferentes quanto a esta matéria, uma vez que o diploma “contém alguns conceitos vagos e genéricos, e algumas omissões que permitem precisamente putativas divergências de interpretação”.