3.12.20

Enquanto os líderes insistem que não há plano B, a Comissão Europeia já trabalha no plano C

Rita Siza, Bruxelas, in Público on-line

Executivo está a estudar soluções alternativas para financiar o fundo de recuperação à margem do quadro financeiro plurianual. O veto ao orçamento deixará Hungria e Polónia de fora.

O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, juntou-se esta quarta-feira ao coro de líderes europeus, entre os quais o primeiro-ministro, António Costa, que repetem o refrão de que “só há um plano A” para responder à crise da pandemia e relançar a economia europeia, que é a adopção definitiva do acordo para o próximo quadro financeiro plurianual 2021-27 e o fundo de recuperação “Próxima Geração UE”, na cimeira de líderes marcada para a próxima semana, em Bruxelas.

“Não há um plano B. Se o acordo não for aprovado, teremos de recomeçar o trabalho todo outra vez desde o princípio, o que naturalmente compromete a recuperação da nossa economia e a resiliência da própria União. Creio que não é isso que os cidadãos esperam ou desejam”, sublinhou Sassoli aos jornalistas, após a primeira jornada institucional de preparação da presidência portuguesa da União Europeia, que juntou o Governo e os líderes dos grupos políticos representados no Parlamento Europeu.

Mas não haverá mesmo? Apesar de continuar a defender a sua proposta para um pacote financeiro global de 1,82 biliões de euros a distribuir pelos 27 Estados membros nos próximos sete anos, a Comissão já começou a estudar as diferentes possibilidades para mobilizar fundos para os países mais afectados pela pandemia, isolando ainda mais a Hungria e a Polónia, que continuam a ameaçar com o veto a entrada em vigor do próximo orçamento comunitário e a constituição do fundo de recuperação, por se oporem ao novo regime de condicionalidade das transferências de Bruxelas ao respeito das regras do Estado de direito.

Fontes do executivo admitiram, esta quarta-feira, que já estão a trabalhar em cenários alternativos que possam ser “activados” logo no dia seguinte a um falhanço negocial do Conselho Europeu — já que não há plano B, chamemos-lhe plano C.

O objectivo da Comissão é ter já um rascunho de soluções pronto, para que os Estados membros que continuam a defender o plano definido em Julho possam organizar-se entre eles para avançar com o fundo de recuperação fora do quadro financeiro plurianual, e ao mesmo tempo contar com uma base mínima de apoio financeiro depois do dia 31 de Dezembro, quando acabar a validade do actual programa plurianual.

E é mesmo uma garantia mínima: se não houver um acordo no Conselho Europeu para o quadro financeiro para 2021-27, não haverá orçamento comunitário em Janeiro de 2021. Automaticamente, as provisões previstas no tratado entram em funcionamento e a Comissão fica obrigada a gerir as despesas da UE em regime de duodécimos, até conseguir apresentar (e fazer aprovar) uma nova proposta orçamental para o ano de 2021.

Esse processo pode demorar meses e a proposta terá de basear-se na estrutura — financeira e jurídica — do quadro agora em vigor, pelo que está fortemente condicionada: em termos de apropriações, isto é, compromissos, a Comissão não poderá ir além dos tectos fixados em 2014 para o montante das contribuições nacionais e dos recursos próprios da UE. Isso quer dizer que terá de fazer cortes: em termos da política de coesão, o valor dos envelopes nacionais será reduzido a menos de metade do valor actual (a estimativa é que o corte nos pagamentos seja entre 50 a 70%).

São contas que o primeiro-ministro não quer ter de fazer. Antecipando o pior cenário possível, António Costa sublinhou que com um regime de duodécimos “a generalidade da actividade da UE ficaria paralisada”, e “a política de coesão sofreria um corte radical de pagamentos ao longo do próximo ano”. “Esse é um cenário que seguramente ninguém deseja viver”, considerou — nem sequer Viktor Orbán, que tem dito aos seus eleitores que a Hungria não perderá as transferências de Bruxelas mesmo que vete o quadro financeiro plurianual.

Se o líder húngaro cumprir a ameaça, o seu país receberá muito menos dinheiro por via do orçamento comunitário. Além disso, a Hungria perderá definitivamente o acesso à sua parcela de subvenções do fundo de recuperação da crise (cerca de 6,25 mil milhões de euros). Todos os cenários alternativos que a Comissão está actualmente a desenhar vão no sentido de “replicar” o funcionamento previsto para o “Próxima Geração UE”, não com 27 mas com 25 países, que teriam de se organizar de maneira diferente para financiar e gerir este instrumento temporário de resposta à crise.

Um alto funcionário da Comissão confirmou que as soluções para o novo formato do fundo que estão a ser desenvolvidas assentam no procedimento da cooperação reforçada, através do qual um conjunto de países pode avançar uma iniciativa no âmbito das estruturas da UE, sem a participação de outros. E ainda acrescentou que, se esse for o caminho, o novo fundo até poderá ser criado relativamente depressa, para não pôr em causa o calendário de distribuição dos apoios (que de qualquer maneira só começariam a chegar aos Estados membros no segundo trimestre de 2021).