Raquel Martins, in Público on-line
Ao contrário do que é habitual, o Governo publicou as tabelas de retenção na fonte de IRS antes de divulgar o valor do Salário Mínimo Nacional (SMN) para 2021. Mas olhando para o patamar a partir do qual os salários e as pensões vão descontar IRS é possível ter uma ideia do valor que o executivo irá apresentar aos parceiros sociais na próxima semana e que poderá oscilar entre os 660 e os 685 euros mensais.
Em 2021, o patamar mínimo a partir do qual é exigida a retenção na fonte será de 686 euros e este limite já tem em conta o facto de o salário mínimo aumentar em 2021, pois estes trabalhadores estão isentos de IRS.
Por norma, o valor a partir do qual há retenção na fonte é superior ao do SMN, para permitir isentar de IRS as remunerações próximas do mínimo assim como os funcionários públicos que recebem pela posição salarial mais baixa do Estado (645 euros). Em 2020, por exemplo, a remuneração mínima praticada no sector privado é de 635 euros e o limite a partir do qual há lugar a desconto de IRS foi fixado em 659 euros, havendo uma diferença de 24 euros.
Se no próximo ano se mantivesse esta diferença, o salário mínimo subiria 27 euros, para os 662 euros. Mas a julgar pelas tabelas publicadas nesta quinta-feira, o Governo tem margem para ir mais longe e aproximar-se dos 685 euros mensais, indo ao encontro das exigências das centrais sindicais e dos partidos à esquerda do PS.
Quando começou a negociar o Orçamento do Estado para 2021 com o Bloco de Esquerda e com o PCP, o Governo colocou como ponto de partida para o aumento do salário mínimo um valor próximo de 660 euros (resultante do aumento médio de 23,75 euros realizado ao longo da anterior legislatura).
Há cerca de duas semanas, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, admitiu que a proposta poderá ser superior. “O valor para 2021 não é um valor fechado. A actualização não está definida até porque a discussão será feita em sede de concertação social. Mesmo no actual contexto do país, o Governo tem uma grande preocupação de que seja dado um papel importante à valorização dos salários e dos rendimentos das famílias”, afirmou à Lusa, acrescentando que o executivo está “a procurar encontrar formas de acomodar um aumento que vá além” dos 660 euros.
Governo admite subir mais salário mínimo e inicia “avaliação” geral das leis laborais
Apesar da crise provocada pela pandemia da covid-19, o Governo mantém o objectivo de aumentar de forma progressiva o salário mínimo para atingir os 750 euros no final da legislatura.
Do lado das centrais sindicais, qualquer aumento inferior a 35 euros será inaceitável. A CGTP quer que o aumento do salário mínimo no próximo ano seja de 90 euros, uma forma de chegar ao seu objectivo de 850 euros no curto prazo.
Para a UGT, a discussão na concertação social deve ter como ponto de partida 670 euros, resultante de uma subida de 35 euros, como aconteceu em 2020.
Do lado das empresas, a braços com a crise provocada pela pandemia, as confederações patronais entendem que não há condições para subidas tão pronunciadas do SMN e alertam que o foco deve estar na salvaguarda do emprego existente.
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) receia que algumas empresas não consigam pagar estas despesas, no momento em que a produtividade tanto caiu. Posição semelhante tem a Confederação de Comércio e Serviços de Portugal (CCP) que, perante as incertezas quanto ao futuro, nota que “quem paga os salários são as empresas, não é o Governo”. Já a Confederação dos Agricultores de Portugal entende que o “foco deve estar na manutenção do emprego existente e na salvaguarda da viabilidade das empresas”.
O aumento do SMN em 2021 deverá ser discutido na próxima semana na reunião da comissão permanente de concertação social. Com Pedro Crisóstomo
Tabelas acomodam aumento das pensões mais baixas
As tabelas de retenção na fonte de IRS, que irão vigorar no próximo ano, acomodam o aumento extraordinário das pensões mais baixas previsto no Orçamento do Estado (OE) para 2021. O objectivo, explica o Ministério das Finanças, é “manter o nível de rendimento líquido dos pensionistas” que terão uma actualização de 10 euros a partir de Janeiro.
A fórmula de actualização automática determina o congelamento de todas as pensões no próximo ano, porque a inflação está em terreno negativo e a economia registou uma contracção histórica. Mas o Orçamento do Estado para 2021 prevê que as pensões até 658,2 euros (1,5 vezes o Indexante dos Apoios Sociais) terão um aumento de 10 euros logo a partir de Janeiro.
Com o aumento do patamar mínimo a partir do qual é exigida a retenção na fonte para 686 euros, os pensionistas que terão aumento ficarão isentos de IRS.
Quem tem rendimentos de pensões acima de 658,2 não terá qualquer aumento e ficará abrangido pelas tabelas de retenção agora publicadas, beneficiando do aumento de liquidez resultante da aproximação entre o imposto retido e o imposto a pagar. Raquel Martins