Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Medida está no despacho de nomeação da comissão de coordenação da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, que está a repensar as várias prestações sociais destinadas aos mais pobres.
O Governo quer ver o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) acima do limiar de pobreza inscrito na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. Ainda em Dezembro, essa medida foi proposta pelo Bloco de Esquerda e rejeitada pelo Partido Socialista.
A comissão de coordenação criada em Outubro para delinear uma proposta de estratégia não partiu de uma folha em branco. No despacho de nomeação estão princípios que o Governo quer ver incorporados. Entre eles, “a reposição do valor de referência do CSI acima do limiar de pobreza, de modo a reforçar a garantia da eficácia desta medida no combate à pobreza entre os idosos”.
Aquela prestação social chegava em Novembro a 165 mil idosos. A maior parte mulheres (116 mil), que auferiram salários baixos e/ou tiveram carreiras contributivas curtas, já que o trabalho no campo, o trabalho doméstico e o trabalho informal de prestação de cuidados não conta para a reforma. Para a requerer, os recursos têm de ser inferiores a 5258,63 euros por ano, o que, dividindo por 14, dá uma pensão mensal de 375 euros. Ora, o limiar do risco de pobreza era de 6014 euros em 2019.
Cada beneficiário de CSI recebe apenas a diferença entre o seu rendimento anual e o valor de referência (5258,63 euros). Subir aquele valor para o limiar da pobreza (actualizado todos os anos) alargaria o número de idosos abrangidos e a prestação recebida por cada um deles.
A introdução da medida não surpreenderia, já que puxar o valor de referência do CSI para cima do limiar da pobreza é uma promessa eleitoral do PS – António Costa disse que desejava chegar ao fim desta legislatura sem idosos pobres. Só que em Dezembro, o BE propôs isso mesmo. O PS votou contra, defendendo uma subida “gradual e sustentável”.
Será só uma questão de calendário. A comissão de coordenação da estratégia está a repensar todo o sistema de mínimos e a subida do CSI é consensual. “É preciso olhar para o rendimento social de inserção, para o complemento solidário para idosos, para a prestação social para a inclusão”, comenta Fernanda Rodrigues, membro daquela comissão, antiga coordenadora do Plano Nacional de Acção para a Inclusão (2006-2010). “Não têm vencido o patamar da pobreza. Têm de ser mais ambiciosos.”
Fernanda Rodrigues lembra que os indicadores estavam a melhorar e que “a pandemia veio colocar um cenário novo”. O momento aponta para a “urgência de se fazer” algo, no sentido de tornar a respostas sociais mais eficazes. “Vamos ver quão longe podemos chegar.” Admite que “é uma equação difícil”. “Há uma fila imensa de prioridades e de necessidades que obviamente não se concretizam sem recursos.”
Seguindo o caderno de encargos, todo o sistema de mínimos sociais tem de ser repensado. Isto numa óptica de reforçar “os apoios do Estado aos grupos mais desfavorecidos, garantindo a universalidade da sua cobertura e dando um novo impulso à economia social, em nome da igualdade de oportunidades”.
A estrutura – presidida por Edmundo Martinho – tem discutido a ideia de fundir as prestações sociais não contributivas, de criar uma prestação social única, detalhando quais os critérios de acesso, mas esta “não reúne consenso”. “Pareceu-nos numa dada altura que poderia ser interessante, não por critérios de simplificação, mas de melhoria”, esclarece Fernanda Rodrigues.
Eixos de intervenção e prioridades
Poucos dias antes do Natal, a comissão de coordenação apresentou uma proposta de eixos de intervenção e prioridades às ministras de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho. Prioridade para as crianças, os idosos e as pessoas com deficiência. Na primeira semana do ano, houve reunião. “O Governo solicitou à comissão que promovesse audições de várias personalidades e instituições durante o mês de Janeiro”, adiantou o gabinete de Godinho. E que proponha “metas, indicadores e modelo de implementação.”
Desde que começou a trabalhar, a comissão já ouviu a Animar - Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, a EAPN - Rede Europeia Anti-Pobreza em Portugal, a Cáritas Portuguesa, a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, a Confederação das Instituições Sociais, a Confecoop - Confederação Cooperativa Portuguesa, a União das Misericórdias Portuguesas e a União das Mutualidades Portuguesas. Fez uma audição pública. Lançou um questionário. Sempre procurando perceber o que cada um considera que é a pobreza, que políticas e instrumentos há que reforçar, o que há que corrigir, o que há que criar de novo.
“Terá de haver um limite para se pôr alguma coisa cá fora, mas ainda há um conjunto de pessoas que gostaríamos de ouvir”, concede Fernanda Rodrigues. Mesmo depois delineada a estratégia, com metas e indicadores, o processo não deverá ficar fechado. “Gostaríamos de ir recebendo contributos, para ir acertando a intervenção.”
O combate à pobreza não se esgota dos apoios sociais. Da lista de princípios consta, por exemplo, o combate à pobreza energética e às desigualdades salariais, incluindo os “leques salariais excessivos”.