Estratégia do Governo e municípios de reconverter alojamento local em arrendamento acessível está a falhar. Câmaras admitem apoiar construção nova para entrar neste segmento.
A portaria que definiu a atribuição destes apoios, e que comporta também uma autorização de despesa dada ao Instituto de Habitação e de Reabilitação Urbana de nove milhões de euros para executar até 2022, entrou em vigor no dia 29 de Dezembro. As câmaras podem candidatar-se a uma comparticipação de metade da diferença entre o valor da renda mensal paga pelo município e o valor da renda mensal devida pelo subarrendatário no primeiro ano de contrato. Mas, “até à data”, conforme esclareceu fonte do Ministério da Habitação, “ainda não foi entregue nenhuma candidatura”. Mas, acrescenta, “já foi feito um pedido de esclarecimento por parte de um município ao IHRU”.
Trata-se do pedido de esclarecimento endereçado pelo município do Porto, através da sociedade Porto Vivo, como confirmou o PÚBLICO junto de fonte da autarquia. “É do nosso interesse que esta comparticipação sob a forma de apoio à renda seja atribuída relativamente a todos os imóveis abrangidos pelo programa Porto com Sentido, que não se direcciona apenas a imóveis afectos à exploração de alojamento local”, explicou a mesma fonte, acrescentando que durante o ano de 2020, e apesar das vantagens concedidas, apenas 20% dos imóveis afectos ao Programa Porto com Sentido são provenientes da actividade de alojamento local.
O programa de apoio a reconversão do alojamento local em arrendamento acessível é complementar aos apoios que os municípios podem obter através do 1.º Direito. Este programa destina-se aos municípios com programas específicos de conversão de arrendamento para subarrendamento a custos acessíveis, desde que os pedidos sejam apresentados até final deste ano.
Para além da Câmara do Porto, com o programa Porto com Sentido, também a Câmara de Lisboa tem o programa Renda Segura e a Câmara de Matosinhos tem o Matosinhos: Casa Acessível. Mas mesmo com a pandemia de covid-19 e a ausência de turismo a limitar o alojamento local, a verdade é que não houve muitos proprietários a fazerem a reconversão das suas unidades para o arrendamento dito tradicional, muito menos para arrendamento acessível.
Matosinhos, que lançou o seu programa apenas no final de 2020, teve o concurso aberto até 29 de Janeiro. Mas teve apenas dez contactos de eventuais interessados: oito proprietários de imóveis, dois de alojamento local e dois de mediadores imobiliários. Só dois proprietários avançaram com a candidatura, mas um deles desistiu a meio. A autarquia liderada por Luísa Salgueiro diz que, por enquanto, não vai solicitar apoios à reconversão do alojamento local, porque não tem nenhuma candidatura em curso. “Porventura os proprietários de AL estão esperançados numa retoma breve do sector, logo que a crise pandémica passe”, afirma fonte do município, que assegura que a autarquia contactou todos os proprietários de AL registados em Matosinhos.
Recorde-se que, de acordo com a lei, o arrendamento acessível deve ser feito por um prazo mínimo de cinco anos e assentar numa renda que fique 20% abaixo da mediana apurada pelo INE nas rendas de mercado. As contrapartidas dadas aos proprietários são várias: a isenção de tributação dos rendimentos prediais; a suspensão da tributação de mais -valias sobre os imóveis que se reconvertam de alojamento local para arrendamento habitacional e a sua isenção quando tal ocorra por um período mínimo de cinco anos consecutivos; a aplicação da taxa reduzida de IVA de 6% aos investimentos de construção ou reabilitação para habitação a custos acessíveis, ao abrigo do regime de habitação a custos controlados.
Municípios tentam outras medidas
Uma vez que a reconversão dos imóveis em AL está num compasso de espera, tanto Governo como municípios encetaram antes outra “corrida” com o objectivo de aumentar o parque habitacional a custos acessíveis. E neste aspecto tanto pode entrar a reabilitação e readaptação de imóveis já existentes, como é o caso da anunciada Bolsa Pública de Imóveis, anunciada pelo Governo, como já se assume, por parte dos municípios, a possibilidade de arrendar casas para subarrendar em empreendimentos construídos de raiz para esse fim.
Nos últimos dias de Dezembro, o executivo de Matosinhos aprovou uma alteração ao regulamento do seu programa de forma a acrescentar às habitações já existentes (como as casas devolutas ou as que estavam em AL) também as “habitações a edificar para os fins previstos no regulamento”. A autarquia liderada por Luísa Salgueiro justifica a alteração do regulamento “com o interesse manifestado por alguns promotores imobiliários, nomeadamente através de construção de novos fogos, com o intuito de afectação a este fim”.
De acordo com as informações avançadas ao PÚBLICO pelo município, foram quatro os promotores imobiliários que contactaram a Câmara de Matosinhos a manifestarem a intenção de construir imóveis para os colocar neste programa. Nesta fase, há já dois promotores imobiliários com intenções concretas de construção até 2023 de mais de 150 habitações e em breve vão ser assinados os contratos-promessa com o município.
Um dos promotores interessados, apurou o PÚBLICO, é a Nexity, que tem um projecto para o loteamento dos terrenos da antiga Facar, em Leça da Palmeira. A Câmara de Matosinhos prepara-se para viabilizar a construção de 100 habitações. De acordo com o regulamento, o contrato terá um prazo de arrendamento superior aos cinco anos definidos na lei, e necessariamente inferior a 30 anos, para cumprir o articulado do Código Civil. E no contrato-promessa deverá constar que as rendas que se aplicam na data da assinatura, correspondente à localização e às tipologias, podem sofrer alterações por aplicação do coeficiente de actualização de rendas publicado anualmente para o efeito. Assim, no momento da contratualização dos contratos de arrendamento poderão ser diferentes os valores da renda, assume fonte da autarquia.
No caso da Câmara do Porto, o executivo liderado por Rui Moreira pretende arrendar até 500 imóveis ao abrigo do programa Porto com Sentido e está para isso a preparar um novo concurso, que terá como novidade, disse ao PÚBLICO fonte do município, “a possibilidade de proceder a um adiantamento de rendas”, para permitir ao proprietário a realização de pequenas intervenções de renovação e beneficiação dos imóveis. Uma tentativa que também já foi feita por Fernando Medina, na Câmara de Lisboa, prevendo a possibilidade de pagar até três anos de renda adiantada.
Rui Moreira está também a preparar outro concurso para celebração de contratos-promessa de arrendamento habitacional, de imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana, os quais serão, após a conclusão das respectivas obras de reabilitação ou edificação, convertidos em contratos de arrendamento definitivos.
A Câmara do Porto está disposta a realizar até 200 contratos-promessa, desde que seja apresentado, no mínimo, como comprovativo, um projecto de arquitectura aprovado. “Esta modalidade é um incentivo para os investidores e promotores potenciarem a oferta de arrendamento acessível na cidade. A par deste impulso, está a ser estudado um regime de redução de taxas urbanísticas e de licenciamento”, explica fonte do executivo. No caso dos contratos-promessa de arrendamento, permite-se a celebração, findas as obras de edificação ou reabilitação, de contratos de arrendamento até um período de dez anos, o que “conferirá estabilidade à rentabilidade futura dos imóveis”.