Ângela Silva, in Expresso
Foi isso que vimos acontecer com os decisores políticos. “Erros”, “atrasos”, “contradições”, “ziguezagues”, assumiu o Presidente da República numa entrevista de vésperas da campanha eleitoral que haveria de o reconduzir no poder, mas que lhe tolheu a voz. Marcelo deixou-se, muito cedo, arrastar para porta-voz de reuniões sem nexo com especialistas que diziam menos perante os poderes sentados do que quando se sentavam nos estúdios das televisões. E a sedução do consenso impossível fica como nódoa no currículo de um Governo literalmente agarrado aos rankings de popularidade e que em momentos decisivos teve medo de decidir.
“Eu devia ter dito que não no Natal, e não disse.” A frase podia ser de António Costa, é do líder da oposição, mas na realidade tanto faz. Todos se enrolaram tempo demais num serôdio espírito de unidos pela pátria, quando o que os unia era o medo de ficarem com as costas a descoberto. A comunidade científica também tardou a reagir e o epidemiologista que há uma semana bateu com a porta, acusando o Governo de não planear, nunca nestes longos meses tinha sido tão assertivo. A ciência levou tempo a divergir, com estrondo, da política. E, na política, a ministra que por tutelar a saúde esteve no olho do furacão teve medo de ter que fazer como o antecessor, que um dia se despediu, farto de cativações.
“Eu devia ter dito que não no Natal, e não disse.” A frase podia ser de António Costa, é do líder da oposição, mas na realidade tanto faz
Em novembro, vésperas do desastre que nos havia de colocar como pior país do mundo em mortes nesta pandemia, um ex-ministro das Finanças, hoje governador do Banco de Portugal, avisou para o Terreiro do Paço: “Os apoios públicos devem ser temporários, tendo em conta que esta crise não é estrutural.” O temporário e o estrutural, eis o nosso eterno drama. Mas João Leão ouviu o professor Mário Centeno e não tardaria a anunciar que em 2020 o Estado gastou menos €2,6 mil milhões do que o previsto. Talvez isso explique que os milhares de computadores prometidos pelo primeiro-ministro no verão tenham falhado no inverno, deixando milhares de alunos fora de pista, o que levou o Governo a adiar para além do aceitável o fecho das escolas, num caldo com custos catastróficos em vidas perdidas. O medo da dívida, dos mercados e das regras orçamentais, que voltam sempre, vai esmagando os apoios a famílias e empresas, e lá ficamos para a história como o terceiro país que menos gastou na resposta à pandemia na zona euro.
Se foi pelo medo que há um ano, mal acordámos para o susto, nos fechámos em casa, é agora pelo medo que ainda ninguém nos sabe dizer como vamos sair desta. Fazer um plano com indicadores percetíveis sobre quando e como podemos pensar em desconfinar parece um tormento para os nossos decisores políticos. Num dia, o tema é tabu, no outro, há um ministro que acena com o regresso à escola. E o primeiro-ministro, que adora arejar a popularidade com vídeos de propaganda, desvia as atenções para a ‘bazuca’ que anuncia como milagre para reformar o país de forma estrutural. Tem sorte. Os costumes, na pátria, continuam brandos. Portugal adora acreditar em milagres.