Por Alexandra Campos, in Público on-line
Responsáveis da Direcção-Geral da Saúde e do Instituto Ricardo Jorge dizem que perfil de mortalidade das últimas semanas não é anormal, já se registou em períodos anteriores, como em 2008/2009.
Em duas semanas apenas, morreram 6110 pessoas em Portugal, pelo menos mais um milhar do que era esperado para esta altura do ano. Os responsáveis da Direcção-Geral da Saúde (DGS) continuam a atribuir este elevado número de mortes ao período de frio extremo, em conjugação com a ocorrência tardia da epidemia de gripe, mas adiantam que está igualmente a ser estudada uma eventual influência de pequenas alterações observadas na estirpe do vírus da gripe que este ano é predominante, a A (H3N3), que afecta sobretudo os mais idosos e que provoca habitualmente um excesso de mortalidade.
Especialistas como o ex-director-geral da Saúde e professor da Escola Nacional de Saúde Pública Constantino Sakellarides e o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Mário Jorge Santos, vieram ontem a público defender, porém, que os efeitos da crise económica e do aumento das taxas moderadoras devem também ser levados em linha de conta na análise deste fenómeno. "O facto de as pessoas viverem com mais dificuldades", sentidas no acesso "aos medicamentos e à saúde", e de terem a "electricidade mais cara", são "hipóteses plausíveis" para explicar os anormais picos de mortalidade verificados nas últimas semanas, admitiu Constantino Sakellarides, em declarações à TSF.
Além do frio e da gripe, que provocam sempre um aumento da mortalidade no Inverno, a manter-se esta tendência, há outros factores que devem ser investigados, como a "perda de rendimento das famílias e o aumento brutal das taxas moderadoras", defendeu Mário Jorge Neves. "Conheço pessoas que deixaram de ir ao hospital, de comprar medicamentos e de fazer alguns exames complementares de diagnóstico por causa das taxas moderadoras", descreveu.
É preciso ver se as pessoas se estão a vacinar mais ou menos, se retardaram a ida ao médico e se pioraram a sua alimentação, recomenda também Vítor Faustino, coordenador do GripeNet, um sistema de monitorização da actividade gripal. "A gripe mata, mas não pode ser a única explicação. Temos de olhar para todos os lados, não descurar nada, como um detective", afirma o investigador, que lembra que noutros países europeus e nos Estados Unidos não se estão a observar tendências semelhantes. E nos EUA esta foi a gripe mais tardia dos últimos 29 anos.
"São declarações precipitadas", contrapõe o director-geral da Saúde, Francisco George. "Este perfil de mortalidade e de curva epidémica [da gripe] já se registou em anos anteriores, nomeadamente em 2008/2009", ano em que também predominou o A (H3N2), frisa. "Este excesso de mortalidade é da mesma magnitude do observado em 2008/2009", quando houve cerca de 1900 óbitos acima do que era esperado, reforça Baltazar Nunes, bioestatista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), o laboratório nacional de referência da gripe. Recuando mais no tempo, em 1998/99 o excesso de mortalidade foi ainda mais expressivo (8500 óbitos acima do habitual).
O pico de mortalidade começou a ser observado a partir da semana cinco, no final de Janeiro, e tem vindo a crescer desde então. Mas foi na semanas sete e oito (entre 13 e 19 e entre 20 e a 26 de Fevereiro) que se acentuou, com um total de 3030 e 3080 mortes, respectivamente. Estes picos são coincidentes "com um período de frio e uma epidemia de gripe que neste momento está em fase ascendente", diz Baltazar Nunes. O especialista admite que "neste momento todas as hipóteses são passíveis de ser estudadas", até porque só será possível chegar a conclusões depois de desagregadas as causas de morte, mas considera que relacionar o que está a acontecer com a crise é, por enquanto, "muito especulativo".
"É o padrão da actividade gripal do A (H3). Já em 2008 tive de explicar que não se passava nada de anormal, o que é invulgar é que agora se está a assistir em directo [a este fenómeno]", assegura também Paulo Nogueira, especialista em estatística na DGS.
Quanto às pequenas alterações que estão a ser observadas no vírus A (H3N2), também ainda é cedo para adiantar conclusões. "Parece haver uma alteração muito ligeira, que está a ser estudada em vários países", explica Isabel Falcão, da DGS. Destaca que este fenómeno não é raro, mas necessita de ser estudado "em profundidade". É o que está acontecer neste momento, até porque está a ser preparada a vacina para o próximo Outono.