Por Carlos Pessoa, in Público on-line
Rissin Régis é um homem ultrapassado pelos acontecimentos. "Não durmo há três dias", diz com voz calma mas exuberância de gestos. Vive com quatro familiares, um deles a filha pequena, numa casa alugada, até agora paga pelo Conselho Português para os Refugiados (CPR).
Oriundo da República Centro-Africana, 30 anos, está em Portugal desde Julho do ano passado e é um dos 125 estrangeiros apoiados pela instituição. Quer ficar cá, onde foi bem tratado, e já começou a estudar a língua portuguesa.
Tudo isso passou para segundo plano na passada quinta-feira, quando foi informado, tal como os restantes refugiados, de que o apoio financeiro concedido pelo CPR ia acabar. Não sabe o que vai ser a sua vida quando tiver de regressar às instalações da instituição na Bobadela (Loures). Mas a sua preocupação mais imediata é continuar a alimentar a família.
"O futuro de um país são as suas crianças e, se elas não têm que comer, é a loucura", desabafa. Régis não ignora que o país de acolhimento está a atravessar uma crise económica séria, mas acha que há um mínimo que tem de ser assegurado: "Esse mínimo é comer!"
Ao lado, Idrissa Diop, 36 anos, ouve atentamente a conversa e decide intervir. "Vim da Mauritânia no Verão passado e estou há oito meses no centro. Deram-me cama e cozinha, o que é bom, achei que isto era o paraíso, mas sem apoio não tenho meios para sobreviver", explica num português sofrível.
A mulher e a mãe ficaram na Mauritânia, pelo que só tem de se preocupar consigo mesmo. Mas, tal como os restantes residentes, a preocupação é a alimentação: "Além do arroz, precisamos de um pouco de carne, peixe ou frango. Sem apoio, como é que vamos ficar aqui?"
Na quinta-feira, Teresa Tito de Morais, presidente do CPR, reuniu as 125 pessoas que o Conselho acolhe e comunicou-lhes que não havia mais dinheiro para continuar a apoiá-las. Quinzenalmente, são entregues a cada adulto 80 euros (e mais uma percentagem por cada criança do agregado familiar), uma importância que permite aos refugiados proverem às necessidades alimentares mais imediatas. Mas agora as contas bancárias estão vazias e o reforço financeiro de 150 mil euros pedido ao Ministério da Administração Interna (MAI) ficou sem resposta. O silêncio foi também a resposta do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social (MSSS) e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).
Não houve grandes reacções de desagrado ou manifestações de protesto por parte dos refugiados, disse ao PÚBLICO Teresa Tito de Morais. Ontem à tarde, o ambiente nas instalações do Conselho na Bobadela era calmo - talvez porque a maior parte daquelas pessoas já passou por muitas situações difíceis na vida -, embora ninguém escondesse a apreensão com o futuro.
Em 2011 foram recebidos 275 pedidos de asilo, o que representa um aumento de 71,8% relativamente ao ano anterior (160 pedidos). A esses números há que acrescentar 30 refugiados do Programa de Reinstalação, oriundos de outros países.
As instalações do CPR têm capacidade para 42 pessoas, mas agora acolhem 85 - na maioria jovens, mas também crianças e alguns idosos. Há outras 40 que estão instaladas em quartos ou pensões da zona, gerando uma despesa que é integralmente suportada pela instituição.
Apelo à solidariedade
O financiamento das actividades é, no essencial, garantido pelo Fundo Europeu para os Refugiados. Mas há também apoios assegurados pelo MAI (comparticipação de 25%) e pelo MSSS (que paga os encargos com as pensões e quartos). A SCML, por seu lado, recebia as pessoas que deixavam as instalações do CPR depois de receberem a autorização de residência provisória.
O aumento dos pedidos de asilo, com o correspondente agravamento das despesas, já tinha levado a alertar aqueles ministérios no final de 2011. "Todos os dias chegavam pessoas. Conseguimos aguentar com verbas de 2009 e de 2010 do Fundo Europeu que não nos tinham sido pagas", explica Teresa Tito de Morais.
O corte de despesas implicou, de imediato, o regresso ao centro dos refugiados que estavam instalados em pensões. Os que estão em quartos têm alojamento garantido até ao fim de Março. Com colchões dispensados pela Protecção Civil, foram improvisadas camaratas no centro da Bobadela, mas as condições são claramente precárias. "Com a concentração de tantas pessoas, a situação sanitária e a segurança interna começam a ser problemáticas", conclui a presidente do CPR.Na passada quarta-feira foi comunicado aos dois ministérios, ao gabinete do primeiro-ministro e ao provedor da SCML que o CPR ia deixar de cumprir as suas obrigações por falta de dinheiro. Não houve nenhuma resposta. Entretanto, perante a gravidade da situação alimentar dos refugiados, foi lançado um apelo público à solidariedade dos cidadãos com géneros alimentícios.
A assessora de imprensa do MAI disse ao PÚBLICO que não comentava o caso. O MSSS diz estar "atento à situação", mas não faz comentários. Até ao fecho da edição, a Misericórdia também não deu esclarecimentos.