in Euronews
Maria de Fátima, 44 anos, vive com a filha adolescente no Porto. Anos de desemprego e um divórcio arrastaram-na para a pobreza.
A antiga secretária de direção sobrevive com o Rendimento Social de Inserção e o abono familiar, num total de 280 euros mensais. Mas todo o dinheiro vai para as faturas. O artesanato que faz permite pagar os pequenos extras, mas a comida chega à mesa através do Banco Alimentar e do pai: “Para comer é o mais complicado. Se não fosse a ajuda do meu pai, muito sinceramente, eu e a minha filha bebíamos água, pelo menos essa ainda pago, e ainda vou tendo na torneira. O que me dá força para levantar? A minha filha que está a dormir do outro lado da casa. Espero que o futuro esteja melhor para a minha filha, para mim já não espero nada”.
Esta é apenas uma das muitas histórias numa Europa em crise. O controlo da dívida a nível europeu apagou a luta contra a pobreza dos discursos, quando há escassos anos a União Europeia fixava como objetivo retirar da pobreza 20 milhões de cidadãos até 2020.
Mas quantos pobres há hoje UE?
A Rede Europeia Anti-pobreza (EAPN) estima que haja 120 milhões.
As últimas estatísticas oficiais remontam a 2010. Havia quase 116 milhões de cidadãos em risco de pobreza, contra 79 milhões três anos antes. As crianças e os idosos são as mais vulneráveis. A taxa de pobreza infantil atingia, em 2010, quase os 27% e dos idosos rondava os 20%.
No terreno, a crise fez diminuir as doações e aumentar o número de pedidos de ajuda junto das organizações sociais. Algumas lutam para manter as portas abertas.
No auge da crise do euro, a Comissão Europeia propôs dedicar 25% do futuro orçamento ao Fundo Social Europeu e consagrar pelo menos 20% desse fundo à luta contra a pobreza. Mas as negociações com os Estados membros serão difíceis.
Sérgio Aires, à frente da Rede de associações europeias de luta contra a pobreza (EAPN), vê com bons olhos a proposta de Bruxelas e reconhece, em entrevista à euronews, que o momento é crítico.
Patrícia Cardoso, euronews: Nos últimos dois anos, as palavras pobreza e exclusão social desapareceram da maioria dos discursos políticos. Como se deve interpretar esta atitude?
Sérgio Aires, presidente da EAPN: Desapareceram dos discursos, mas se calhar pior do que isso desapareceram das políticas. É um reflexo disso mesmo. Diria mesmo que desde 2005 que essas palavras, pobreza e exclusão social, acabaram por começar a ganhar uma invisibilidade ou, pelo menos, um tratamento que não tinha a ver com aquela prioridade, mais clara e mais objetiva, de que erradicar a pobreza é algo que devia acompanhar o desenvolvimento económico, o crescimento e o emprego.
euronews: A ausência de estatísticas (desde 2010) é um sintoma da política europeia?
S. Aires: Eu atrever-me-ia a dizer que é absolutamente um sintoma da não preocupação e não querer afrontar a questão da pobreza. E isto é uma história muito antiga. É a história da negação de que há pobreza na Europa. Ninguém quer ter pobreza no seu quintal. Toda a gente recusa a ideia, desde uma pequena autarquia local que, se for para receber fundos comunitários, ‘sim temos pobreza e precisamos de ajuda’, se for por outra via qualquer rapidamente diz não. Politicamente não é simpático reconhecer o fracasso. Porque a pobreza é um fracasso da organização da sociedade e da forma como ela responde aos problemas que enfrenta. A pobreza é uma negação dos direitos humanos. O combate à pobreza não é uma coisa que se faça com rapidez, com resultados rápidos. E, portanto, a política é demasiado imediatista e demasiado rápida. São poucos os políticos que, de facto, investem ou querem investir muito, porque não vão ter resultados suficientemente rápidos para ser reconhecido o seu esforço.
euronews: Muitos governos implementaram medidas de austeridade e os cortes nas ajudas sociais foram, em alguns casos, substanciais. Pode dizer-se que o modelo social europeu desapareceu?
S. Aires: O modelo social europeu se não desapareceu corre o risco de desaparecer. Pelo menos nas suas características fundacionais. O que é muito grave. O modelo social europeu é um contrato. Eu pago impostos e tenho direito a um conjunto de coisas, também tem um conjunto de deveres, naturalmente. É este contrato que, de alguma maneira, está a ser posto em causa. Ora, ao ser posto em causa, eu diria que está a ser posto em causa tudo. A partir daí o cidadão pode começar a perguntar-se: “mas então para que pago impostos?”. Foi, apesar de tudo, o modelo social europeu e a proteção social que temos que conseguiu almofadar aquilo que está a acontecer. Porque se não houvesse, apesar de tudo e ainda que com as reduções e os cortes, alguma proteção social, principalmente em alguns Estados que estão em maiores dificuldades, eu garanto que, provavelmente, já estaríamos a viver outros cenários que não aqueles que temos. Apesar de tudo ainda são cenários de alguma tranquilidade, embora de muito desespero.
euronews: A ideia de acabar com a pobreza não é uma utopia?
S. Aires: Estou pouco preocupado com a discussão filosófica sobre se isto é ou não uma utopia. Costumo dizer que ‘gosto de passar das utopias à prática’. Neste caso é isso que está em causa. Não sei se é possível erradicar a pobreza ou não. Quero acreditar que sim e acredito que sim. Uma coisa de que tenho a certeza absoluta é que não posso condenar pessoas que me rodeiam dizendo-lhes: “a pobreza não tem solução. Tu nasceste assim e vais morrer assim. Não há nada a fazer”. Não pode ser. Não tem de ser assim e está provado
[Leia aqui a entrevista na íntegra]