16.10.13

Organizações alertam para fracos resultados no combate à pobreza

Por Ana Tomás com Lusa, in iOnline




Rede Europeia Anti-Pobreza e Médicos do Mundo alertam para graves efeitos da crise nos mais pobres e lamentam falta de estratégia e insistência em mais austeridade




A Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) Portugal considera que o objectivo de reduzir a pobreza "não está a ser levado a sério" e apela à criação urgente de uma estratégia nacional de luta contra a pobreza e a exclusão social.

O apelo da rede surge numa mensagem intitulada "A pobreza e a democracia são incompatíveis" divulgada hoje pela EAPN Portugal para assinalar o Dia Internacional Para a Erradicação da Pobreza, esta quinta-freira.

"A profunda crise financeira e económica, de alcance mundial, e os efeitos que dela derivaram e que se começaram a fazer sentir no ano 2008 estão a afectar de forma muito significativa o modelo social europeu, em particular nos países do sul da União Europeia", afirma.

Esta situação afecta especialmente os países sob intervenção da troika, como é o caso de Portugal, refere a EAPN, adiantando que os "efeitos perversos" das prioridades macroeconómicas focadas na austeridade "são já claramente identificáveis".

Esses efeitos são a queda do limiar de pobreza, o empobrecimento generalizado da população, o aumento dos trabalhadores pobres associados ao aumento do desemprego, o crescimento da pobreza infantil, o progressivo desmantelamento do Estado social e o aumento das desigualdades sociais.

"Se por um lado, o esforço financeiro gerado pelas medidas negociadas com a troika está a afectar drasticamente aqueles que possuem menos recursos e que mais dependem de ajudas do Estado, quer seja pela situação de desemprego, doença, incapacidade ou outra, não é menos verdade que estes efeitos são transversais à sociedade portuguesa", salienta a EAPN Portugal.

Sublinha ainda que "muitos dos direitos económicos e sociais básicos estão actualmente a serem postos em causa ou, em parte significativa, a serem negligenciados", acrescentando que “o fosso das desigualdades está a aumentar por via do ataque aos níveis de rendimento e do falhanço ao nível de uma distribuição mais justa, por meio de uma tributação progressiva. Isto põe em causa a coesão social e a estabilidade", alerta.

Na saúde os efeitos da pobreza também se fazem sentir.

Segundo a organização Médicos do Mundo, que recentemente já tinha chamado a atenção para o problema nos mais idosos, afirma que a actual crise económica está a ter um grave impacto na saúde dos mais pobres.

“Há muitas pessoas que apenas fazem uma refeição por dia, tendo para isso de deixar de comprar medicamentos, mas são cada vez mais aqueles que também vêem diminuído o seu acesso a uma alimentação variada, com graves consequências para a saúde. Por outro lado, registam-se situações em que os beneficiários escolhem comprar apenas os medicamentos mais baratos entre aqueles prescritos pelos médicos”, alerta a organização.

Os Médicos do Mundo revelam que entre Janeiro e Setembro, na região de Lisboa, através do seu projecto Farmédicos, concedeu 1300 apoios e disponibilizou quase 40 mil comprimidos a pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Dentro dessa camada da população, a organização destaca os sem-abrigo, que têm dificuldade em comprovar a sua insuficiência económica e que, por isso, acabam por não estar isentos de taxas moderadoras, optando por não recorrer ao serviço nacional de saúde.

Há também que referir, dizem os Médicos do Mundo, a situação dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), que viram a sua situação agravada com a diminuição deste apoio, e as próprias dificuldades na prestação de cuidados de saúde. A “falta de consumíveis hospitalares (como resguardos e placas anti escaras), médicos de família que prescrevem apenas os exames complementares estritamente necessários, evidenciando indicações de poupança, desgaste dos profissionais de saúde devido a cortes salariais e sucessivas reestruturações, e o desinvestimento na área da prevenção”, são alguns dos exemplos citados pelos Médicos do Mundo.

Para combater a pobreza, a EAPN propõe mais investimento social e a implantação de estratégias nacionais e europeias integradas.

"O investimento social pode ter um papel chave e deve desafiar a austeridade no sentido de fazer um maior investimento na protecção social universal", defende a Rede Europeia Anti-Pobreza.

A mensagem é de "uma profunda preocupação com a chocante falta de progresso na meta da pobreza, a fraca visibilidade da Estratégia Europa 2020 nos programas nacionais de reforma e o inaceitável défice democrático e participativo", conclui a organização.